Rio de Janeiro, 19 de Setembro de 2024

Redes sociais ajudam a entender a crise venezuelana?

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Domingo, 04 de Agosto de 2024 às 09:10, por: Rui Martins

Quem não tem acompanhado o governo de Nicolás Maduro na Venezuela ou quem ignora ou confunde países e tendências políticas na América Latina pode ter dificuldade para fazer um juízo de valor: houve fraude nas eleições ou há uma tentativa de golpe pela extrema-direita?

Por Rui Martins, editor do Direto da Redação

Quem tem razão nessa questão das eleições venezuelanas?Num momento desses, pode-se testar a validade e utilidade das redes sociais, porém, há o risco da pessoa ser enganada, ser convencida por uma inverdade, ou ficar totalmente desorientada, diante de “influenciadores” de orientações políticas opostas. Sem se falar nos canais especializados em criar falsas informações ou deturpar notícias verdadeiras, as conhecidas fake-news.

É possível se fazer um teste e conseguir obter um resultado correto e próximo da verdade? Não custa tentar, pois entender as eleições venezuelanas é uma oportunidade rara que nos oferecem as redes sociais. Vamos dar uma volta entre algumas delas, na busca de uma orientação segura para chegar a uma conclusão segura.

Mas é sempre bom lembrar haver maus perdedores. Donald Trump ao perder na tentativa de reeleição para Joe Biden espalhou a história de ter sido roubado e de ter havido fraude nas urnas e nas apurações. Acusação talvez possível de ser levada a sério, pois os EUA usam ainda o sistema de voto impresso e o envio do voto por correspondência.

Essa explicação de fraude nas urnas e nas apurações foi também utilizada pelo ex-presidente Bolsonaro ao perder a reeleição. Com uma ligeira diferença, Bolsonaro falava em fraudes nas urnas eletrônicas antes mesmo das eleições, gerando uma certa desconfiança quanto às suas intenções e deixando a suspeita de pretender recorrer ao argumento das fraudes, no caso de perder a reeleição. Tanto Trump como Bolsonaro são políticos da extrema-direita.

Mas vamos saber o que circula nas redes sociais e imprensa, em busca de uma boa orientação.

Começamos com o canal Opera Mundi, de Caracas, onde está o jornalista Breno Altman, que se refere ao comunicado do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela anunciando a vitória de Maduro. Ele explica ser digital o voto com identificação biométrica do votante mas com uma comprovação impressa – ou seja, depois de votar, o eleitor recebe um recibo confirmando ter votado, e esse recibo é colocado numa urna. Na chamada auditagem das urnas, existe a ata das urnas e a contagem dos recibos de votações, que devem ser iguais.

Breno conta ter havido tentativas de hackers, da Macedônia, tentando interferir na votação. As atas auditadas têm o prazo de 72 horas para serem autenticadas ou três dias. Em síntese tudo está em ordem, segundo Breno, é a direita e a extrema-direita que colocam em dúvida a validade do resultado das eleições.

No seu relato, Breno Altman citou o Centro Carter como o responsável pela criação do sistema eleitoral venezuelano, um dos mais confiáveis do mundo. Ora, o canal MyNews, de esquerda, conseguiu uma declaração oficial do Centro Carter criticando os resultados das eleições. De acordo com Sylvia Colombo, correspondente do MYNews, o Centro Carter funciona como uma ONG sem vínculos políticos. Ela também fala de restrições às atividades de jornalistas na Venezuela, razão pela qual preferiu não ir à Venezuela nas eleições.

Trechos da declaração oficial do Centro Carter circulam pela Internet e fazem sérias críticas às eleições, do tipo “O processo eleitoral da Venezuela não atendeu aos padrões internacionais de integridade eleitoral em nenhuma de suas etapas”.

O canal Meteoro, de esquerda, adota uma posição de cautela, reproduzindo entrevista da TV LCI, no qual se fala da campanha da oposição para descredibilizar Nicolás Maduro. Mas critica a ex-candidata Maria Corina, ultra liberal, que está chamando o exército para intervir no país.

O canal petista Brasil 247 sentiu a divisão criada dentro da esquerda por ter apoiado a reeleição do presidente Maduro, decisão reforçada com a declaração da dirigente petista Gleisi Hoffmann, com a posição do PT favorável ao presidente Maduro. Para o Brasil 247, a Venezuela é um posto avançado da luta contra o imperialismo americano. O canal critica a demora do Brasil em reconhecer a vitória de Maduro, mas a declaração neutra do presidente Lula vem sendo criticada por muita gente de esquerda como o jornalista Ricardo Kotscho, tanto no UOL como numa entrevista para o MyNews.

De uma maneira geral, a imprensa critica Maduro. O jornal Le Monde publica no seu sítio um vídeo no qual responde à pergunta – por que é contestada a vitória de Maduro? O canal UOL foi unânime nas críticas ao presidente Maduro.

A opinião de Vldimir Safatle, entrevistado pelo canal Instituo Conhecimento Liberta, é esclarecedora, no sentido de considerar o governo venezuelano como representante de uma revolução popular degradada, que desde o começo viveu um processo militarizado e bonapartista. Mas Safatle não esquece na Venezuela a pior extrema-direita da ALatina e considera importante posição brasileira por evitar de se juntar aos países do bloco sul global que querem a quebra de hegemonia do bloco americano

De uma maneira geral, a imprensa critica Maduro. O jornal Le Monde publica no seu site um vídeo no qual responde à pergunta – por que é contestada a vitória de Maduro? O canal UOL foi unânime nas críticas ao presidente Maduro.

No momento, Brasil, Colombia e México pedem uma verificação imparcial dos resultados e apelam os políticos e responsáveis sociais para usaarem da máxima cautela nas manifestações a fim de vitar uma escalada de episódios de violência. E pedem rapidez na exibição das atas das mesas de votação.

Essas opiniões diferenciadas sobre as eleições na Venezuela ajudaram a formar uma opinião? Maduro é também criticado por permanecer muito tempo no poder. Com esse terceiro mandato ficará 17 anos na presidência.

Falta só acrescentar que a permanência no poder sem mudança do detentor do poder ou sem transição pode provocar críticas e suspeitas. Quando é a direita que se apossa do poder e não larga, isso se chama ditadura ou, no Oriente Médio, governo do dirigente supremo, podemos citar Trujilo, Peron, Pinochet e os aiatolás iranianos. Mas, é claro, se Maduro sai é a extrema direita quem pega o poder e talvez também não largue. Solução difícil. (Rui Martins também está em versão sonora no Youtube, em seu canal – https://www.youtube.com/@rpertins )

Por Rui Martins,  jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de LisboaCorreio do Brasil e RFI.

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