Rio de Janeiro, 18 de Setembro de 2024

Reflexões sobre o direito à cidade

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Quinta, 29 de Agosto de 2024 às 10:28, por: CdB

A efetivação do direito à cidade no Brasil, garantido pela Constituição de 1988, depende da mobilização popular para superar desigualdades e promover vida digna para todos.

Por George Câmara – de Brasília

Ao determinar a observância ao princípio da função social da cidade, a Constituição Federal, tratando da Política Urbana nos artigos 182 e 183, veio consagrar, no ordenamento jurídico brasileiro, o direito à cidade, cabendo assim ao poder público garantir o bem-estar de seus habitantes.

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O Direito à Cidade não será efetivado como um favor ou como um presente caído das nuvens

Evidentemente, essa conquista do povo brasileiro, produto das lutas sociais que desembocaram na Assembleia Nacional Constituinte e na Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã, confere às pessoas, ainda que no plano formal, direitos fundamentais.

Sendo a cidade um espaço de convivência e de interação coletiva, tais direitos não podem ser exercidos apenas no plano individual, e sim no contexto da coletividade.

O direito universal de acesso aos serviços de saúde pública, por exemplo, deriva de um direito maior: o direito a uma vida digna, não apenas para uma, mas para todas as pessoas. Assim acontece com o direito à cidade. Não se aplica a uma única pessoa. Situa-se na esfera pública, pois se destina a toda a população.

Também não pode ser tratado de forma fragmentada, mas integrada. Não se resume apenas ao direito de acesso à educação, excluindo-se as demais políticas públicas. O direito à cidade resume uma gama de direitos, sem os quais torna-se inviável uma vida nos padrões de dignidade humana.

David Harvey (*) afirma que:

O direito à cidade está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade. Além disso, é um direito comum antes de individual, já que esta transformação depende inevitavelmente do exercício de um poder coletivo de moldar o processo de urbanização” (HARVEY, 2012, p. 74).

O referido autor situa o processo de urbanização no contexto histórico das classes sociais e, nos dias atuais, como produto do sistema capitalista. 

“Desde o início, as cidades emergiram da concentração social e geográfica do produto excedente. Portanto, a urbanização sempre foi um fenômeno de classe, já que o excedente é extraído de algum lugar e de alguém, enquanto o controle sobre sua distribuição repousa em umas poucas mãos. Esta situação geral persiste sob o capitalismo, claro, mas como a urbanização depende da mobilização de excedente, emerge uma conexão estreita entre o desenvolvimento do capitalismo e a urbanização” (idem).

Processo de crescimento das cidades

Ainda segundo o Professor Harvey, o processo de crescimento das cidades, transformando-as em metrópoles, vai consolidando um novo estilo de vida, sob o domínio do mercado, portanto excludente e desigual.

“A expansão mais recente do processo urbano trouxe com ela incríveis transformações no estilo de vida. A qualidade de vida urbana tornou-se uma mercadoria, assim como a própria cidade, num mundo onde o consumismo, o turismo e a indústria da cultura e do conhecimento se tornaram os principais aspectos da economia política urbana.

A tendência pós-moderna de encorajar a formação de nichos de mercado, tanto hábitos de consumo quanto formas culturais, envolve a experiência urbana contemporânea com uma aura de liberdade de escolha, desde que se tenha dinheiro” (HARVEY, 2012, p. 81).

Nesse cenário, onde a pobreza, a desigualdade e a exclusão social se expressam tão fortemente, penalizando a ampla maioria da população, como fazer cumprir os direitos formais para as pessoas nas cidades e metrópoles brasileiras, conforme estabelece a Constituição Federal?

Por meio da conquista de uma vida digna, para todas as pessoas. Onde a luta pela moradia, pelo saneamento básico, pelo transporte público, não está dissociada da luta por pleno acesso a educação, saúde, assistência social, trabalho, segurança pública, cultura, esporte e lazer, entre outros.

O Direito à Cidade não será efetivado como um favor ou como um presente caído das nuvens, mas com ampla mobilização popular. Afinal, a dívida social contraída ao longo do processo de colonização brasileira ainda perdura, vergonhosamente, em nossa sociedade. Até quando?

(*) HARVEY, David. O direito à cidade. Revista Lutas Sociais, São Paulo, n. 29, p. 73-89, julho/dezembro/2012.

 

George Câmara, é mestre em Estudos Urbanos e Regionais, Especialista em Gestão de Políticas Públicas e Advogado. Foi vereador em Natal/RN, pelo PCdoB por três mandatos. É diretor Autárquico da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Rio Grande do Norte. Autor dos livros Da janela da metrópole e O saneamento básico na região metropolitana de Natal.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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