Rio de Janeiro, 19 de Setembro de 2024

Conscientização em hospitais reduz cesáreas no país, diz estudo

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Quarta, 18 de Setembro de 2024 às 13:11, por: CdB

Em cinco anos, programa diminuiu em 13,7% o número de cesáreas realizadas em hospitais privados que adotaram a iniciativa.

Por Redação, com DW – de São Paulo

Uma maior conscientização dos envolvidos, dos médicos às parturientes, tem provocado a redução no uso das cirurgias cesarianas para nascimentos no país, conforme mostra estudo divulgado nesta quarta-feira.

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Taxa de cesáreas no país fica em 57,6%, segundo dados do Ministério da Saúde

De acordo com o levantamento, realizado por pesquisadoras da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade de Brasília (UnB) e publicada na revista Cadernos de Saúde Pública, o programa Parto Adequado fez cair em cinco anos 13,7% a proporção de partos por cesárea nos hospitais privados que decidiram adotar o projeto, criado pelo governo federal como ferramenta para buscar aumentar o número de nascimentos por parto normal no país.

No mesmo período avaliado, de 2015 a 2019, a incidência da cirurgia cesariana caiu 3,4% nos hospitais onde o programa não foi implementado, indicando uma lenta mudança de mentalidade no país.

Atualmente, a taxa de cesáreas no país fica em 57,6%, segundo dados do Ministério da Saúde, bem acima da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) que é de 15%. Essa taxa, porém, é bem maior em hospitais privados, ficando em 86%.

Principal autora da pesquisa, a médica obstetra e ginecologista Andrea Campos, doutoranda da USP, acredita que a ampla adesão das cesáreas no Brasil “é um problema multifatorial”. “Envolve a comodidade da realização de um parto programado e rápido, que acaba gerando um conflito de interesse para o obstetra”, comenta ela.

Campos explica que quando o obstetra realiza um parto normal, ele “fica sujeito à imprevisibilidade e uma menor remuneração em relação a horas trabalhadas”. Ela argumenta que isso pode ser resultado do fato de que, no país, o parto geralmente é acompanhando pelo mesmo médico que realiza o pré-natal, em países com menor incidência de cesáreas, o parto costuma ser realizado pelo plantonista do hospital ou por obstetrizes. “(Isso) isentaria conflito de interesses”, avalia a médica.

Ela cita ainda o fato de que “historicamente, os partos normais são acompanhados de excesso de intervenções, sendo muitas vezes vivenciado de forma traumática por parte das mulheres”, e isso acabou criando uma cultura de “muito medo do parto”.

Até certificação foi criada

programa Parto Adequado foi criado há dez anos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) graças a uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, e a organização americana sem fins lucrativos Institute for Healthcare Improvement (IHI). Desde o início, visava valorizar o parto normal e reduzir o percentual de cesarianas sem indicação clínica. “É um programa direcionado ao setor privado, mas envolve também hospitais públicos”, diz Campos.

No ano passado, como uma evolução do Parto Adequado, a ANS criou a Certificação de Boas Práticas na Linha de Cuidado Materna e Neonatal, um reconhecimento que pretende estimular operadoras de planos de saúde e as redes de assistência a buscarem medidas para garantir o direito ao pré-natal, ao parto e ao puerpério com qualidade e segurança.

De acordo com o levantamento publicado nesta quarta, em 2015, quando o Parto Adequado estava em sua fase inicial, havia 35 hospitais participantes. Em 2019, último ano analisado, o número de adesões tinha saltado para 108.

Na avaliação da médica obstetra e ginecologista Adriana Gomes Luz, professora na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), programas como este “são fundamentais porque promovem uma mudança cultural e institucional”.

– Ao capacitar profissionais, mudar protocolos hospitalares e oferecer suporte contínuo às gestantes, esses programas mostram que é possível reduzir de forma significativa o número de cesarianas desnecessárias sem comprometer a segurança – afirma Luz.

– A experiência do Parto Adequado em hospitais privados de São Paulo, por exemplo, demonstrou que a redução das cesáreas é viável quando há uma abordagem baseada em evidências, que prioriza a saúde da mãe e do bebê. O oferecimento de práticas para alívio da dor neste programa também fortalece a iniciativa – complementa ela.

Riscos da cesariana

De acordo com especialistas, cesarianas sem necessidade trazem riscos evitáveis para a mãe e para o bebê. “A cultura cesarista no Brasil é o resultado de uma combinação de fatores históricos, culturais e estruturais. Entre eles, podemos citar a percepção de que a cesariana é uma forma mais rápida e previsível de parto, tanto para os médicos quanto para as gestantes, além da crença, muitas vezes equivocada, de que ela seria sempre uma escolha mais segura”, diz Luz.

– A cesariana sem indicação acaba apresentado mais riscos que benefícios a longo prazo. Por exemplo, risco de complicações em futuras gestações como placenta prévia, acretismo placentário, além de maior risco de hemorragia e infecção – exemplifica a médica.

A conscientização é a melhor ferramenta para melhorar esse cenário. “Mudar essa cultura traria inúmeros benefícios, tanto para as mães quanto para os bebês. O parto vaginal, quando não contraindicado, é geralmente associado a uma recuperação mais rápida para a mãe, menor risco de complicações cirúrgicas e uma melhor adaptação do bebê à vida fora do útero”, argumenta Luz.

– A mudança por vários caminhos, como a educação em saúde para gestantes, a capacitação dos profissionais de saúde para oferecer um cuidado mais humanizado e centrado na mulher e a criação de políticas públicas que incentivem práticas baseadas em evidências científicas – defende a médica, lembrando que é essencial que as mulheres “sejam empoderadas com informações claras e acessíveis” para tomar decisões conscientes sobre o parto que desejam, “sempre levando em consideração a segurança de ambos, mãe e bebê”.

Campos ressalta que a importância da “conscientização da equipe assistencial e da população”, com “enfermeiras obstetras acompanhando partos de risco habitual e equipe de assistência atendendo em regime de plantão”.

– A dor durante o trabalho de parto é um dos maiores temores das gestantes, e no Brasil, a escassez de analgesia farmacológica disponível para o parto é um problema significativo – reconhece Luz. “Esse fator tem sido apontado como um dos principais motivos que levam muitas mulheres a optarem pela cesariana. Poucos hospitais contam com anestesiologistas disponíveis 24 horas para oferecer analgesia quando solicitada, o que limita o acesso das gestantes a um parto menos doloroso.”

Ela acredita que para reduzir as altas taxas de cesarianas é preciso garantir “o acesso universal à analgesia” e cita Estados Unidos e França como modelos em que “a oferta de analgesia durante o parto é amplamente acessível”.

De acordo com levantamento realizado pela médica Maria do Carmo Leal, pesquisadora na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no início da gestação 70% das grávidas brasileiras optam pelo parto normal, para a maioria, a opção pela cesariana acaba sendo colocada durante os nove meses.

Brasil no topo do ranking

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), índices de cesarianas inferiores a 10% são um problema de saúde pública, justamente porque indicam que mesmo em casos de necessidade a cirurgia específica não vem sendo feita. Já quando a incidência da cesárea é maior do que 20%, o problema é o oposto: ou seja, o procedimento tem sido feito sem real necessidade.

Estudo publicado em 2018 pelo periódico científico The Lancet com análise de dados de 169 países situou o Brasil ao lado da República Dominicana, do Egito e da Turquia como os lugares onde a técnica é utilizada em mais da metade dos nascimentos. O levantamento colocou o Brasil na segunda posição entre os que mais realizam o procedimento, logo após a República Dominicana.

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