Um enfrentamento armado na região certamente não estava nos planos de Biden, que está mais preocupado em promover sua agenda de meio ambiente e democracia, mas é com isso que vai ter que lidar nas próximas semanas se não se chegar a algum acordo.
Por Luis Antônio Paulino – de Brasília
O filósofo alemão Karl Marx escreveu no “18 Brumário de Luiz Bonaparte”, obra em que analisa acontecimentos revolucionários na França, entre 1848 e 1851, que levaram ao golpe de estado após o qual Luís Bonaparte nomeou-se imperador, com o nome de Napoleão III, emulando seu tio, Napoleão I, que “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.EUA
O problema é que essa não é a preferência do complexo industrial-militar norte-americano, que se alimenta de guerras. Por isso, estão pagando para ver e torcem para que Putin dê o próximo passo. Será uma ocasião e tanto para vender armas, principalmente se os aliados europeus dos Estados Unidos tomassem as dores da Ucrânia e resolvessem correr em sua defesa. Não parece, entretanto, que seja esse o desejo dos europeus. A Alemanha depende do gás russo e a França não ficou nenhum pouco satisfeita ao ser passada para trás pelos Estados Unidos no caso do cancelamento do contrato de venda de submarinos para a Austrália. Há vários cenários possíveis. O primeiro seria a aceitação por parte dos Estados das exigências russas de que a OTAN retire tropas e armas da Europa Oriental e impeça a Ucrânia de entrar na aliança. O segundo cenário seria a não aceitação pelos Estados Unidos das exigências russas, mas com o recuo de Putin da ameaça de invadir a Ucrânia. O terceiro seria a invasão da Ucrânia pelos russos e a generalização de um conflito na região, envolvendo os aliados europeus dos Estados Unidos. O quarto seria a invasão da Ucrânia pela Rússia sem que houvesse o envolvimento direto dos Estados Unidos e seus aliados europeus no conflito, mas apenas o apoio financeiro, logístico e humanitário à Ucrânia para resistir a uma invasão russa. Aparentemente o cenário com maiores chances de ocorrer no momento é este último. Primeiro porque os Estados Unidos já deixaram claro que não aceitam as exigências russas, pois não querem dar a impressão de que foram dobrados por Putin. Segundo porque é o cenário que mais interessa ao complexo militar-industrial norte-americano. Terceiro porque na ausência de um acordo talvez não reste outra opção para Putin se não quiser passar a imagem de que blefou. Quarto, porque é praticamente impossível que os membros europeus da OTAN se disponham a entrar em conflito bélico com a Rússia. Para eles a palavra de ordem é “resistir até o último ucraniano”. E nunca é demais lembrar que a quantidade de armas nucleares existentes na Europa é suficiente para destruir o mundo 16 vezes.Rússia e Criméia
Há, obviamente, outros cenários possíveis, como uma invasão limitada do território ucraniano pela Rússia, apenas com o objetivo de criar um corredor entre a Rússia e a Criméia. Mas nada garante que, uma vez iniciado, o conflito militar possa ser assim limitado. Além do mais, isso não impediria que o que restasse da Ucrânia aderisse à Otan de forma ainda mais radical. É preciso ainda considerar que novas sanções econômicas que os Estados Unidos prometem fazer contra a Rússia podem ter algum efeito dissuasório sobre Putin. Muitos oligarcas russos certamente não gostariam de ter suas contas bancárias bloqueadas no Ocidente. Mas em episódios anteriores, como a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, as sanções não funcionaram. A Europa depende do gás natural da Rússia para gerar energia e aquecer-se no inverno. Os russos estão entre os maiores exportadores mundiais de trigo e minérios, dos quais a Europa também depende. Além do mais, a Rússia hoje está em situação muito mais cômoda, com mais de US$ 600 bilhões em reservas. E isso para não falar da sólida aliança que está sendo construída entre Moscou e Pequim. A verdade é que hoje a Rússia depende menos da Europa Ocidental do que esta depende da Rússia. Putin está com a faca e o queijo na mão.Luis Antônio Paulino, é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), diretor do Instituto Confúcio na Unesp, pesquisador do Instituto de Estudos de América Latina da Universidade de Hubei, China e colaborador do portal Bonifácio.
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