Rio de Janeiro, 15 de Setembro de 2024

'Os Rejeitados''

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Terça, 03 de Setembro de 2024 às 09:31, por: CdB

Comédia dramática de Alexander Payne destaca temas de solidão e transformação em um colégio conservador, onde três personagens isolados se conectam e encontram esperança.

Por Elza Campos – de Brasília

Quem, alguma vez em sua vida (ou em mais de uma ocasião), não passou por uma situação de melancolia, sensação de desprezo e até mesmo de rejeição?  Transportei-me adentro da tela de um filme e me senti relembrando momentos de um outro, marcante: Sociedade dos Poetas Mortos, que a mim foi seminal no início de minha vida profissional como professora do curso de Serviço Social. Assim, ao assistir a Os Rejeitados, do instigante diretor e roteirista Alexander Payne e escrito por David Hemingson, identifiquei passagens com a produção lindamente protagonizada pelo ator Robin Williams com seus alunos num colégio conservador, que guarda algumas identidades quando se trata de ambiente escolar. O filme Sociedade dos Poetas Mortos, como em Rejeitados, ocorre em escolas tradicionais, por vezes muito conservadoras de seus valores burgueses, ambas nos Estados Unidos, instruindo jovens do sexo masculino, filhos de famílias da elite que para lá são enviados para aprendizagem, ou para certa correção de comportamento.

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Dominic Sessa, Da’Vine Joy Randolph e Paul Giamatti em ‘Os Rejeitados’

Em Os Rejeitados, três personagens bastante diferentes se encontram, mas se identificam pelo fato de estarem passando por situações de abandono ou de solidão, vivem suas  histórias e relações um tanto escondidas e que aos poucos vão sendo evidenciadas, até segredos, traumas, inquietações/ que se vão manifestando e tecendo novas relações entre eles.  A caracterização, com as vivências de cada um, são inusitadas, causando em nós em alguns momentos uma empatia com os personagens. 

A película, ambientada em 1979,  já recebeu indicação de Globo de Ouro para o carismático ator Paul Giamatti (Paul Hunham), que interpreta o papel com imenso talento e para Da’Vine Joy Randolph (Mary Lamb), como atriz coadjuvante, que igualmente nos cativa por sua representação. O enredo se passa no final de ano, no período de férias do imenso colégio interno da Barton Academy, onde os três personagens são obrigados a compartilhar o natal e parte das férias. Todos os alunos e professores saem de férias, permanecendo somente os três. O professor de história clássica, desprezado pelos alunos e por colegas professores, por sua personalidade ranzinza, a cozinheira  que acabara de perder seu filho na guerra do Vietnã, e o revoltado adolescente Dominic Sessa (Angus Tully), jovem de personalidade difícil, cujas adversidades familiares são apresentadas ao longo da história.  Ele, abandonado nas férias escolares pela mãe e seu novo namorado, demonstra o quanto sofre pela rejeição de sua genitora.

Veja trailer abaixo

O início do filme já dá uma demonstração incitante do que está por vir, com uma bela paisagem com neve e um riacho que nos transporta para uma certa inquietação, embalada com a trilha sonora indie folk – gênero musical da década de 1990, que junta melodias de violão acústico com a música folk com instrumentação contemporânea (https://l1nk.dev/vybL3). A canção sublime no início do filme é Silver Joy (Alegria Prateada, com versos como Deixe-me dormir/No sono da manhã; Não há lugar onde eu precise estar/E meus sonhos ainda estão chamando/Deixe seus problemas no chão/Não precisa se preocupar com eles agora/A luz do dia atravessando as árvoes) suavemente interpretada por Damien Jurado. Também a canção Venus, cantada pela banda Shocking Blue e outras canções igualmente contagiantes.  Assim, o enredo, com músicas que marcam momentos de nossas vidas, vai nos prendendo  e fazendo refletir sobre o quanto mesmo pessoas que parecem insensíveis podem ir se transformando e reencontrando a esperança, a humanidade.

Cena do filme

Na primeira cena do filme o professor entrega as provas em sala de aula, a maioria das provas com conceitos em vermelho, informando aos alunos que terão que reprovar em sua disciplina, provocando uma revolta e manifestação de descontentamento quanto às notas e a fala de Giamatti. Em outra ocasição em conversa com o diretor do colégio, ao pedir que ocupe seu período de férias para substituir um professor que supostamente irá cuidar de sua mãe enferma e para atender os jovens que terão que passar o natal no colégio, o professor sisudo responde que assume essa tarefa, com uma frase do filósofo Cicero:  Non nobis solum nati sumus (não nascemos apenas para nós).

Em algumas cenas o solitário professor, com seus olhos enormes e arregalados, assume um certo papel de pai do jovem e solidário à atriz que apresenta imenso sofrimento de mãe que perde seu filho, o que alude a sublime singeleza.  Uma sátira ao natal, quando em um bar, falando diretamente a uma pessoa idosa vestida de Papai Noel, ele faz uma crítica ao capitalismo sobre a baboseira consumista de o que seria o natal e citando Demócrito: “O mundo é decadente, a vida é percepção.”

O mais significativo é a simbiose dos personagens e sua transformação. Mais do que isso, é o entendimento de que as situações difíceis surgem para todas as pessoas; no entanto, a tomada de consciência, da auto-estima, da dignidade e de que problemas podem servir como aprendizados para novas possibilidades e perspectivas, é o que nos dá inspiração para continuar buscando o sentido da liberdade. E da vida. Relembrando Robin Willianns em Sociedade dos Poetas Mortos que tenta quebrar paradigmas conservadores do Colégio, igualmente Giamatti em Os Rejeitados, rompe com valores arcaicos, sendo demitido. Carpe diem.

Ficha técnica:

Os Rejeitados (The Holdovers)

Genero: Comédia, Drama
Direção: Alexander Payne
Roteiro David Hemingson
Elenco: Paul Giamatti, Da’vine Joy Randolph, Dominic Sessa
Acesso: Prime Video
Ano: Janeiro de 2024

 

Elza Campos, é assistente social, mestra em Educação (UFPR), ex-presidenta nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM) e Secretária de Mulheres do PCdoB-PR.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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