Rio de Janeiro, 17 de Outubro de 2024

A lei do combustível do futuro e as apostas do Brasil para a transição energética

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Quinta, 10 de Outubro de 2024 às 09:39, por: CdB

Os produtos regulamentados pela lei vão participar cada vez mais das nossas vidas, então é bom conhecer cada um deles. O SAF é o combustível de aviação feito a partir de produtos vegetais.

Por Pedro Faria – de Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, na terça-feira, a Lei do Combustível do Futuro (PL 528/2020). A lei cria o arcabouço legal das principais apostas do Brasil para a transição energética: o combustível de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês), o biometano, o diesel verde e a captura e armazenamento de carbono (CCS). 

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SAF e diesel verde utilizam insumos como o sebo de boi e o óleo de soja, que são co-produtos da soja e da carne bovina, pesos-pesados da pauta de exportação brasileira

Os produtos regulamentados pela lei vão participar cada vez mais das nossas vidas, então é bom conhecer cada um deles. O SAF é o combustível de aviação feito a partir de produtos vegetais. Hoje, os aviões funcionam com combustível a base de petróleo. O SAF pode ser utilizado com o querosene de aviação fóssil, evitando que seja necessário produzir novas aeronaves. É quase um “avião flex”.

O diesel verde é a segunda geração do biodiesel, que já conhecemos. O diesel verde, assim como o SAF, é quimicamente idêntico aos produtos fósseis. Ou seja, ele pode ser usado direto no tanque dos veículos a diesel fóssil. O biodiesel que conhecemos não tem essa possibilidade: ele já é misturado no diesel fóssil, mas há limitações para utilização pura nos motores atuais.

O biometano é o gás metano feito de biomassa. A lei do combustível do futuro exige uma mistura gradual de biometano no gás natural fóssil que chega até nossas casas para cozinha e aquecimento e em diversas indústrias como os vidros, cerâmicas e siderúrgicas. O gás natural deve ser o combustível fóssil que permite a transição energética dos setores mais difíceis de descarbonizar. O componente renovável busca reduzir a pegada desses setores. 

A captura de carbono (CCS) é uma técnica para separar os gases de efeito estufa em um processo produtivo e transportá-lo por meio de gasodutos até um reservatório subterrâneo. O CCS armazena gases que seriam lançados na atmosfera, provocando o aquecimento global. Esta técnica serve principalmente para setores que vão continuar dependendo de gás natural ou onde é difícil substituir os processos químicos que liberam gás carbônico (CO), como o caso das cimenteiras e siderúrgicas. A Petrobras já tem um memorando com o governo do Espírito Santo para instalar o primeiro polo de captura de CO no Espírito Santo.

agronegócio

O projeto de lei colocaagronegócio no centro da estratégia de transição energética do Brasil: SAF e diesel verde utilizam insumos como o sebo de boi e o óleo de soja, que são co-produtos da soja e da carne bovina, pesos-pesados da pauta de exportação brasileira. O mandato de biometano também agrada ao agronegócio, principalmente a indústria da cana-de-açúcar. 

Por outro lado, a lei desagradou a Petrobras. A estatal brasileira desenvolveu o diesel co-processado, mas ele ficou de fora da lei. Nesta tecnologia, criada pela própria Petrobras, os insumos vegetais são processados nas mesmas unidades da refinaria onde o diesel fóssil é refinado. Esta tecnologia permitirá a transição gradual das refinarias de petróleo para biorrefinarias, aproveitando as estruturas industriais já construídas.

Agronegócio na transição

A centralidade do agronegócio na transição acende três alertas: primeiro, a possibilidade de concorrência com gêneros alimentícios e higiênicos. O óleo de soja e outros óleos da produção de biodiesel são utilizados para consumo humano. O sebo de boi também é matéria-prima para sabonetes e outros produtos de higiene. Com o aumento de demanda por SAF e diesel verde, há o risco de encarecimento da alimentação e da higiene pessoal.

O segundo alerta é a pressão sobre a agricultura familiar. Os combustíveis renováveis expandirão um mercado lucrativo, aumentando a pressão feita pelo agronegócio sobre a agricultura familiar. A agricultura familiar é responsável por garantir a variedade da alimentação dos brasileiros, mas sofre a concorrência dos insumos dos novos combustíveis pela terra. Hortaliças, leguminosas, frutas e legumes podem se tornar ainda mais desfavoráveis economicamente, o que intensificaria a conversão do uso da terra para a produção de commodities. Esse processo, que já acontece, pode piorar.

O terceiro alerta é a emissão de gases de efeito estufa do agronegócio. O objetivo da lei do combustível do futuro é reduzir as emissões de gases. No entanto, o agronegócio é justamente o maior responsável por estas emissões no Brasil. O “uso da terra” (principalmente o desmatamento) e a agropecuária são responsáveis por 75% das emissões brasileiras. Todo o setor de energia, incluindo a produção e consumo de petróleo, é responsável por apenas 18% das emissões. Para piorar, o congresso brasileiro quer excluir o agronegócio da regulamentação do mercado de carbono. Isso quer dizer que os maiores poluidores ficarão de fora dos limites de emissão de gases de efeito estufa.

Portanto, se a produção dos insumos dos combustíveis do futuro não for sustentável, podemos estar piorando o cenário e gastando tempo. Não faz sentido aumentar o desmatamento para produzir combustíveis renováveis. Seria melhor focar os esforços em outras áreas. Mais uma vez, o futuro do Brasil depende de conseguirmos explorar as potencialidades da agricultura contendo os abusos do agronegócio.

 

Fonte: SEEG, Observatório do Clima. Link: Infográficos – SEEG Brasil

Pedro Faria, é petroleiro, economista (UFMG) e doutor em história (Universidade de Cambridge).

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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