Rio de Janeiro, 19 de Setembro de 2024

Esquerda que apoia Putin trocou o marxismo pelo utilitarismo

Arquivado em:
Sexta, 04 de Março de 2022 às 05:46, por: CdB

Como esquerdistas brasileiros travam uma briga de foice no escuro sobre se devem apoiar ou execrar a invasão da Ucrânia, vale a pena aprofundarmos este assunto.  O sentido maior da prática revolucionária nos últimos séculos tem sido o de conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização, com igualdade e liberdade plenas. Admitir e relevar o autoritarismo de nomenklaturas ou de fanáticos religiosos é uma postura totalmente inaceitável à luz dos ensinamentos de Marx, Lênin, Trotsky, Proudhon, Bakunin, Malatesta e que tais. Polemizei muito com esquerdistas que pretendiam estar combatendo o imperialismo ao apoiarem tiranos execráveis como Gaddafi, Saddam Hussein e Ahmadinejad e/ou assassinos desvairados como Osama Bin Laden. Temos é de superar o capitalismo, não de favorecer uma volta à Idade Média ou a instauração do caos.

Por Celso Lungaretti
DIRETO-CONVIDADO23-300x169.jpg
Esquerda não deve apoiar invasor imperialista
Primeiramente, é bom repetir o óbvio: não se trata de um problema de característica pessoais do governante da nação vítima, mas sim das do autocrata do país agressor, que quer impor sua vontade pela força militar, colocando a Ucrânia sob sua dependência, seja para exercer a dominação diretamente, seja para dourar a pílula mediante a instalação de um governo fantoche.
E o antiamericanismo não é argumento para revolucionários anticapitalistas. Para nós, EUA, Rússia e China se equivalem, são apenas o jugo capitalista em três diferentes roupagens.
Estamos batendo numa tecla à qual os revolucionários anticapitalistas já deram resposta definitiva quando eclodiu a 1ª Guerra Mundial: os dirigentes verdadeiramente revolucionários, rechaçando a hipótese de acumpliciarem-se com o conflito capitalista, orientaram os trabalhadores de seus países a não irem matar os proletários de outras nações, o que os reduziria ao papel de meras buchas de canhão numa disputa de mercados.
Qualificaram pejorativamente os socialistas pusilânimes, que procuravam pretextos para colocar-se a reboque de seus governos nacionais (o que implicava empurrar os trabalhadores de seus países para o matadouro) de Sociais Patriotas.
Continua não havendo motivo nenhum para tomarmos partido numa guerra capitalista. Devemos ser contrários a tais matanças e contrários a todos os governos capitalistas que delas participam. Existimos para impedir esses sacrifícios inúteis da vida de trabalhadores.
JOGO SUJO – A desqualificação do presidente Zelensky está servindo para justificar um posicionamento simpático ao autocrata Putin por parte da esquerda que trocou os valores marxistas ou anarquistas pela realpolitik.
Dá-se descabido destaque a pontos até irrelevantes (ele foi comediante no passado? E daí? Pior estamos nós, que temos como presidente quem jamais deixou de ser um palhaço sinistro...} no quadro do morticínio e destruição desfechados contra a Ucrânia por um país extremamente mais poderoso em termos militares.
A invasão do Putin lembra em tudo (menos na eficiência, já que deveria ser uma guerra-relâmpago mas, enquanto tal, flopou...) as conquistas do Hitler entre 1939 e 1941, até sua escalada ser detida na Inglaterra e revertida na URSS.
Desde a década retrasada eu venho defendendo nas redes sociais a integridade dos valores revolucionários, contra essas análises em que os princípios são escanteados, enquanto se superdimensionam os fatores geopolíticos. Elas têm servido para dourar a pílula das posturas descabidas e vergonhosas assumidas por petistas & aliados.
O sentido maior da prática revolucionária nos últimos séculos tem sido o de conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização, com igualdade e liberdade plenas. Admitir e relevar o autoritarismo de nomenklaturas ou de fanáticos religiosos é uma postura totalmente inaceitável à luz dos ensinamentos de Marx, Lênin, Trotsky, Proudhon, Bakunin, Malatesta e que tais.
Polemizei muito com esquerdistas que pretendiam estar combatendo o imperialismo ao apoiarem tiranos execráveis como Gaddafi, Saddam Hussein e Ahmadinejad e/ou assassinos desvairados como Osama Bin Laden. Temos é de superar o capitalismo, não de favorecer uma volta à Idade Média ou a instauração do caos.
Levo sempre em conta que Marx definiu como países fundamentais para a vitória do socialismo as nações capitalistas avançadas, pois elas é que determinam o rumo a ser seguido pelas menos pujantes. Tentar comer o capitalismo pelas bordas foi um erro terrível e um desvio de rota desastroso, iniciado pela URSS de Stalin.
A imagem do socialismo, graças à lavagem cerebral incessante com que a imprensa burguesa usou e abusou de trunfos que lhe fornecemos estupidamente, passou a ser identificada com o atraso e com o despotismo, acabando por causar repulsa até em grande parte dos trabalhadores dos países avançados.
E onde isto nos levou? A conquistas efêmeras que depois se transformaram em retomadas capitalistas, como nos casos da Rússia e da China. A reinados dantescos do terror, como no Camboja de Pol Pot. E a decadências econômicas extremadas como a da Venezuela.
A adesão à realpolitik em termos internacionais por parte do PT é irmã da opção pelo reformismo em território nacional. Ambas expressam a desistência de lutar pela superação do capitalismo e a insistência em procurar um lugar ao sol na noite capitalista (o paradoxo é intencional), posturas ademais condenadas de antemão ao fracasso, neste momento em que o capitalismo visivelmente se encontra nos estertores.
É hora de darmos um chute nesse utilitarismo amoral, que hoje nem sequer se traduz mais na afirmação de que os fins justificam os meios. Se fossem sinceros, seus praticantes diriam que as conveniências da nomenklatura justificam os meios...
É hora de voltarmos a apostar na revolução! (Publicado originalmente no blog Náufrago da Utopia)
Por Celso Lungaretti, jornalista, escritor, resistente à Ditadura militar, editor do blog Náufrago da Utopia.
Direto da Redação é um fórum de debates publicado no Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.
Edições digital e impressa
 
 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo