Os Militares e a Crise Brasileira (Editora Alameda, 268 páginas), é uma obra coletiva, organizada por Martins Filho, professor titular sênior de Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos (SP). Ele identifica alguns fatores que podem ajudar a explicar o crescimento exponencial de militares no serviço público civil.
Por Redação, com RBA - de São Paulo
O número de militares em postos reservados a servidores civis, nos mais diversos escalões do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), depois de certo período mais voltados a atividades internas, voltou a chamar a atenção dos observadores da cena política. Entre eles, o professor João Roberto Martins Filho, que assina uma análise do fenômeno, passado e presente, por meio de diferentes abordagens – histórica, sociológica, filosófica.
Os Militares e a Crise Brasileira (Editora Alameda, 268 páginas), é uma obra coletiva, organizada por Martins Filho, professor titular sênior de Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos (SP). Ele identifica alguns fatores que podem ajudar a explicar o crescimento exponencial de militares no serviço público civil. No livro, o cientista político lembra que a corporação nunca deixou de estar presente na vida política brasileira.
— Eles sempre tiveram, no mínimo, o poder de atrapalhar, de criar instabilidade. O componente militar é capaz de desequilibrar o governo, mas parece não ter nenhuma vontade de fazer isso — afirmou, em uma das recentes transmissões pela internet, organizadas para o lançamento da obra.
Caserna
Outra razão ideológica histórica é o “anti-esquerdismo”, reavivado sob Bolsonaro, lembra. E há, ainda, um terceiro fator, “puramente corporativo”, aponta o autor, para explicar a presença dos militares no atua governo: melhorar as condições dos quartéis, da carreira, escapar do contingenciamento orçamentário.
— A Saúde deveria receber o dobro da Defesa. Não estamos, no momento, sendo ameaçados por ninguém — observa o professor da Universidade Federal de São Carlos, autor também do livro O Palácio e a Caserna, lançado também pela Alameda, em 2019.
Martins Filho identifica, ainda, certo “pêndulo” no pensamento militar, entre a adesão ao liberalismo conservador e ao nacional-desenvolvimentismo. Isso já aconteceu, por exemplo, em governos de generais-presidentes na ditadura. Neste momento, o nacionalismo parece estar adormecido.
— Aparentemente, eles estão confortáveis com a ideologia do (Paulo) Guedes — pontua.
“Em guerra”
Autora de um dos artigos do livro, a historiadora francesa Maud Chirio diz que setores da extrema direita militar, na reserva, contribuíram para formar uma ideologia que sustenta o governo. Um projeto de poder “que se ancora na representação de um mundo em guerra”, que encontrou lugar no imaginário da opinião pública.
— O Brasil que a gente pensava conhecer, ao menos no seu sistema político, mudou de maneira radical — assinala.
Para o professor Eduardo Costa Pinto, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o retorno dos militares ao governo e à cena política está associado a uma “profunda fragilidade institucional”. A partir de 2016, no golpe contra a presidenta deposta de Dilma Rousseff (PT), e com o que o pesquisador chama de “efeito Temer-Aécio-Joesley”, as Forças Armadas “atualizaram” o histórico anticomunismo.
Professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Ana Penido reforça: o anticomunismo é “repaginado” e vira “antifeminismo”, “anti-onguismo”.
Intimidação
Autor de livro que esmiúça o funcionamento do DOI-Codi paulista, o jornalista Marcelo Godoy fez no livro uma análise da presença militar no meio digital. Surgem os “soldados digitais da extrema direita”. Ele cita o general Vilas Bôas, autor de famoso tuíte de intimidação ao Supremo Tribunal Federal. O militar segue umas duas dezenas de colegas, que seguem outras dezenas, chegando-se a um total de 115 perfis no Twitter, todos da ativa. Destes, 35 são generais, sendo 31 do Exército.
Desses 115 que se relacionam entre si, detalha o jornalista, 82 haviam feito algum tipo de publicação que pode ser caracterizada como de cunho político-partidário. Mais de 20 partindo de generais, participação significativa entre os atualmente na ativa. Foram, no total, 3.427 manifestações político-partidárias, até em dia da eleição. Apenas quatro criticavam Bolsonaro.
O sociólogo e professor Eduardo Mei, a seu modo, relaciona a pandemia como exemplo da continuidade da “necropolítica” brasileira.
— Estamos enfrentando uma situação em que o modelo neoliberal de acumulação no país não abre espaço para a inclusão. A pandemia é uma oportunidade para a eliminação física daqueles que são considerados indesejáveis — afirma
Mei cita, ainda, indígenas, quilombolas, sem-terra, “pobres em geral”, os excluídos do chamado mercado. Isso explica em certa medida o discurso de que é preciso salvar a economia em detrimento da vida. Não basta, portanto, “desmilitarizar” o governo.
— É preciso refundar o país, para torná-lo inclusivo — conclui.