Em defesa da Folha contra o nazistóide

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Publicado Domingo, 01 de Dezembro de 2019 às 15:00, por: CdB

Estou de volta do Brasil, depois de um mês, suficiente para testemunhar a anestesia geral aplicada no povo, enquanto dia a dia o governo toma medidas que destroem as estruturas democráticas numa espécie de nazificação lenta, indolor mas inexoravel. Quase sem reação da chamada oposição. Um exemplo é a descarada decisão do presidente em calar ou destruir a Folha. Publica-se a notícia, porém não há reações de jornalistas, de associações de imprensa e dos outros jornais. Isso é muito perigoso, com doses homeopáticas estão amordaçando o Brasil. Esperar para ver é perigoso. Por isso, publico o editorial da Folha, acrescento os comentários de dois artigos do Náufrago da Utopia e cito aqui o alerta do jornal El Pais - Brasil vive um clima de pré-nazismo, enquanto a oposição emudece. Como perguntaria Chico Buarque no linguajar do seu novo livro Essa Gente, o que é isso, ninguém mais tem culhões?

Editorial da Folha, mais Celso Lungaretti e Josias de Souza, de São Paulo:
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Brasil vive versão cristã evangélica do nazismo
FANTASIA DE IMPERADOR (Editorial da Folha 30.11.2019)
Jair Bolsonaro não entende nem nunca entenderá os limites que a República impõe ao exercício da Presidência. Trata-se de uma personalidade que combina leviandade e autoritarismo.
Será preciso então que as regras do Estado democrático de Direito lhe sejam impingidas de fora para dentro, como os limites que se dão a uma criança. Porque ele não se contém, terá de ser contido —pelas instituições da República, pelo sistema de freios e contrapesos que, até agora, tem funcionado na jovem democracia brasileira.
O Palácio do Planalto não é uma extensão da casa na Barra da Tijuca que o presidente mantém no Rio de Janeiro. Nem os seus vizinhos na praça dos Três Poderes são os daquele condomínio.
A sua caneta não pode tudo. Ela não impede que seus filhos sejam investigados por deslavada confusão entre o que é público e o que é privado. Não transforma o filho, arauto da ditadura, em embaixador nos Estados Unidos.
Sua caneta não tem o dom de transmitir aos cidadãos os caprichos da sua vontade e de seus desejos primitivos. O império dos sentidos não preside a vida republicana.
Quando a Constituição afirma que a legalidade, a impessoalidade e a moralidade governam a administração pública, não se trata de palavras lançadas ao vento numa live de rede social.
A Carta equivale a uma ordem do general à sua tropa. Quem não cumpre deve ser punido. Descumpri-la é, por exemplo, afastar o fiscal que lhe aplicou uma multa. Retaliar a imprensa crítica por meio de medidas provisórias.
Ou consignar em ato de ofício da Presidência a discriminação a um meio de comunicação, como na licitação que tirou a Folha das compras de serviços do governo federal publicada na última quinta (28).
Igualmente, incitar um boicote contra anunciantes deste jornal, como sugeriu Bolsonaro nesta sexta-feira (29), escancara abuso de poder político.
A questão não é pecuniária, mas de princípios. O governo planeja cancelar dezenas de assinaturas de uma publicação com 327.959 delas, segundo os últimos dados auditados. Anunciam na Folha cerca de 5.000 empresas, e o jornal terá terminado o ano de 2019 com quase todos os setores da economia representados em suas plataformas.
Prestes a completar cem anos, este jornal tem de lidar, mais uma vez, com um presidente fantasiado de imperador. Encara a tarefa com um misto de lamento e otimismo.
Lamento pelo amesquinhamento dos valores da República que esse ocupante circunstancial da Presidência patrocina. Otimismo pela convicção de que o futuro do Brasil é maior do que a figura que neste momento o governa.
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Comentário de Celso Lungaretti— Não é intenção deste blogueiro esquecer a colaboração prestada pelo Grupo Folha à ditadura militar, a ponto de ter facilitado a prisão dos próprios jornalistas da casa, acumpliciando-se com os torturadores que lhes impuseram os mais terríveis suplícios.
 
Nem está apagado da memória desta equipe o repulsivo editorial de 2009 com que a Folha de S. Paulo, ao referir-se ao regime genocida como uma mera ditabranda, relativizou a repressão responsável pelo assassinato de duas dezenas de amigos íntimos e de companheiros próximos ou conhecidos  do blogueiro que vos escreve.
 
Feitas as necessárias ressalvas, não se pode deixar de reconhecer que o principal inimigo de todos os brasileiros civilizados, neste momento, é o presidente que representa o retrocesso social desmedido e a barbárie desembestada. 
 
Não seremos nós a endossar a afirmação pomposa de que o Estado oligárquico de direita vigente no Brasil seja um Estado democrático de Direito
 
Mesmo assim, há um ponto incontestável no editorial: Bolsonaro não se contém, terá de ser contido.
 
Então, é hora de relevarmos velhos rancores e diferenças ideológicas, dedicando nossos melhores esforços à formação de uma frente de todas as forças e agrupamentos dispostos ou propensos a ocuparem, repito, a trincheira da civilização em luta contra a barbárie.
 
Daí a reprodução do editorial desse veículo que arrota democracia mas tem tratado alguns membros desta equipe como não-pessoas cujo nome é proibido até mencionar, exatamente como nos tempos do marcartismo nos EUA. Porque nós, sim, somos fiéis aos princípios que professamos e aceitamos fazer quaisquer sacrifícios de ego em nome do bem comum. (por Celso Lungaretti)
josias de souza
BOLSONARO EDITA ATO INSTITUCIONAL Nº 1: FOLHA NÃO!
As aparências não enganam: Quando você vê um presidente da República comportando-se de forma autoritária, provavelmente ele é autoritário. Desde que assumiu, o atual inquilino do Planalto tenta conciliar duas necessidades conflitantes: ser Jair Bolsonaro e manter a compostura exigida pelo cargo.
Ao excluir a Folha de uma licitação governamental e incitar um boicote aos anunciantes do jornal, o presidente potencializou a impressão de que Bolsonaro e compostura são realmente coisas inconciliáveis.
"Eu não quero ler a Folha mais. E ponto final. E nenhum ministro meu", disse Bolsonaro. "Recomendo a todo Brasil aqui que não compre o jornal Folha de S.Paulo. Até eles aprenderem que tem uma passagem bíblica, a João 8:32. A imprensa tem a obrigação de publicar a verdade. Só isso. E os anunciantes que anunciam na Folha também". Para Ayres Britto, ex-presidente do STF, o Planalto não realiza uma licitação, mas uma ilícita ação.
Adicionar legenda
Como leitor, Bolsonaro tem todo o direito de não gostar da Folha. Como consumidor, pode se abster de comprar o jornal. Como presidente, comete uma ilegalidade ao excluir um dos principais jornais do país de uma licitação pública para a aquisição de acesso digital ao noticiário de veículos de imprensa. A decisão de Bolsonaro viola os "princípios constitucionais da impessoalidade, isonomia, motivação e moralidade", anotou o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado, em representação protocolada na última 6ª feira, 29.
No trecho predileto de Bolsonaro, o Evangelho de João anota: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." O problema é que o capitão opera num mundo com duas verdades: a dele e a verdadeira. O defeito não está na liberdade de expressão da imprensa, mas na dificuldade do presidente de se exprimir. Bolsonaro chama a Folha de mentirosa e, na sequência, acusa Leonardo DiCaprio de financiar incêndios na selva amazônica.
Desmantela o aparato ambiental e confraterniza-se com desmatadores. Depois, diz que o problema são as ONGs, os cientistas do Inpe e as doações feitas pelos governos da Noruega e da Alemanha.
Na sua concepção de verdade, Bolsonaro considera-se um político avesso à corrupção e aos maus costumes. Na versão verdadeira, convive doce e fraternalmente com ministros indiciados, denunciados e até um condenado.
O presidente bate bumbo pela transparência, mas esconde o amigo Fabrício Queiroz e as relações dele, que vão da assessoria tóxica ao primogênito Flávio aos vínculos com milicianos. Alardeia que Luciano Bivar, do PSL, está "queimado pra caramba" e não repara nas pesquisas que o colocam na frigideira.
Não é que Bolsonaro não goste da imprensa. A questão é que ele só aprecia três tipos de imprensa: a que não tem nada a dizer, a que prefere não dizer e a que deseja dizer coisas deliciosamente favoráveis.
A imprensa que tem o incômodo hábito de imprensar não serve. Por uma razão simples: ajusta as aparências de Bolsonaro à realidade em vez adaptar a realidade às aparências do Brasil ficcional que o capitão escolheu para governar.
Além do versículo bíblico, Bolsonaro guia-se na presidência por um slogan: Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. Nem acima, nem à direita. O desapreço de Bolsonaro pela liturgia democrática joga o Brasil para baixo. A julgar pela aversão do presidente à imprensa livre, embora Deus esteja em toda parte, é o Tinhoso quem ocupa a mente baldia de Bolsonaro. A escassez de reações ao desatino presidencial revela que o capitão pratica suas exorbitâncias num cenário em que o absurdo vai adquirindo uma doce e persuasiva naturalidade.
Pouca gente se deu conta. Mas Bolsonaro acaba de editar o seu Ato Institucional nº 1: Folha não!. Fez isso num instante em que o AI-5 escorre tanto de lábios aloprados como os de Eduardo Bolsonaro quanto de bocas improváveis como a de Paulo Guedes.
Com honrosas exceções, políticos, autoridades e personalidades não fizeram a concessão de uma surpresa. Aos pouquinhos, o país vai suprimindo dos seus hábitos o ponto de exclamação. Se Bolsonaro servir, num banquete, mentira desossada, a maioria engolirá com gosto. É mentira? Pois que seja mentira! E com abóbora...
Quando vier a indigestão, será tarde. (por Josias de Souza).
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.
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