Entre as supostas irregularidades na liquidação, Santos Júnior citou indícios de perseguição a colegas da ACCEITEC, como a exoneração do porta-voz Júlio Leão e de duas trabalhadoras do setor de auditoria interna.
Por Redação, com Brasil de Fato - de Brasília
Um crime contra a nação. Foi assim que Silvio Luis Santos Júnior, representante dos trabalhadores do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), se referiu à liquidação da estatal em audiência pública na tarde da segunda-feira. O Ceitec tem sede em Porto Alegre (RS) e é a única empresa da América Latina que atua na produção de chips e semicondutores, utilizados na fabricação de componentes eletrônicos. Criado durante o governo Lula (PT) e vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, ele é conhecido como “estatal do chip boi”, por ter desenvolvido o chip para rastreabilidade bovina. A audiência foi uma iniciativa do deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), para reunir possíveis irregularidades no processo de desestatização aberto pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido). O processo de liquidação, aprovado em fevereiro, tem prazo de um ano para finalização. A proposta é que a estatal, criada em 2008, seja substituída por uma organização social (OS). – Todos os estudos que embasaram o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) são superficiais e não possuem ancoragem técnica – afirmou Santos Júnior, que preside a Associação dos Colaboradores do Ceitec (ACCEITEC). – Eles levaram em conta dados do fluxo de caixa só até 2018, desconsiderando a base de produtos e patentes que estavam em desenvolvimento anteriormente pela empresa e sem tomar conhecimento da relevância desses produtos e pesquisas e o impacto que isso teria no fluxo de caixa da companhia. O presidente da associação ponderou que o objetivo do Ceitec nunca foi gerar faturamento, mas formar recursos humanos. – Mesmo assim, ele teve aumento de 50 vezes em oito anos. O faturamento de 2020 foi de R$ 13 milhões. Em plena pandemia e em plena liquidação, esse número já foi abatido em 2021 em função do volume de negócios que a empresa tinha engatilhado, colocando em xeque completamente o estudo feito pelo PPI. O Ceitec, na visão dele, poderia ajudar a diminuir a dependência de produtos importados e fortalecer a indústria nacional. Entre as supostas irregularidades na liquidação, Santos Júnior citou indícios de perseguição a colegas da ACCEITEC, como a exoneração do porta-voz Júlio Leão e de duas trabalhadoras do setor de auditoria interna. Só em abril, 34 funcionários de carreira do Ceitec foram exonerados desde o início do desmonte “mesmo tendo um relatório dizendo que são atividades essenciais para a empresa.” Outra preocupação levantada na audiência diz respeito ao terreno onde hoje funciona o Ceitec, na capital gaúcha. A área não é da União, mas foi doada pela Prefeitura à estatal. O presidente da ACCEITEC citou riscos ambientais que foram ignorados pelo governo, uma vez que o ambiente utiliza produtos químicos que requerem tratamento adequado. O custo de descomissionamento dos equipamentos, para evitar risco de contaminação, é estimado em R$ 300 milhões. – Qual o pecado capital que nós cometemos para sermos tratados com tamanho desrespeito e perseguição? – questionou. – Como brasileiros e brasileiras, estávamos empenhados para transformar esta nação em um país mais desenvolvido, com menor dependência tecnológica estrangeira. Nos sentimos humilhados com tamanho desrespeito e sabemos que tudo não passa de uma meta irresponsável de um governo que precisa mostrar ao seu eleitor que conseguiu liquidar uma de suas estatais, mesmo pagando um alto preço. Por fim, Santos Júnior solicitou que a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados suspenda a liquidação “até que todos os riscos que envolvem o processo sejam mitigados.” Outros participantes da audiência, como Augusto Gadelha, ex-presidente do conselho de administração do Ceitec e o próprio deputado Nilto Tatto, ressaltaram que a estatal é estratégica para o desenvolvimento do país. – É mais um passo para o desmonte da nossa estrutura de inteligência. Não tem lógica o que esse governo está fazendo – disse o secretário executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), Celso Pansera. – É necessário algum tipo de decreto legislativo para sustar os efeitos dessa iniciativa, até que estudos consistentes sejam feitos. Tatto se comprometeu a estudar formas de barrar a liquidação, ao menos temporariamente, como sugeriu Pansera. Cinco projetos de decreto legislativo já tramitam na Câmara dos Deputados pedindo anulação da decisão do governo federal de privatizar o Ceitec. Para entrar em vigor, um projeto de decreto legislativo necessita de maioria simples, desde que esteja presente no Plenário a maioria absoluta dos deputados (257). O projeto não vai à sanção do presidente e é transformado em lei após a aprovação no Parlamento.