'Saúde pública precisa de mais recursos do que CSS poderia trazer'

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Publicado Quinta, 22 de Setembro de 2011 às 06:35, por: CdB

'Saúde pública precisa de mais recursos do que CSS poderia trazer'Para o médico-cirurgião Nacime Salomão Mansur, superintendente da SPDM, uma organização social que gerencia 22 unidades de saúde em São Paulo, só proposta do senador Tião Viana (PT-AC), que fixa os gastos em saúde em 10% da receita corrente bruta, resolveria carência de recursos do setor. "Vergonhosamente, investimos per capita menos do que Argentina e Chile", disse ele à Carta Maior.

Marcel Gomes

SÃO PAULO - A saúde pública está doente e o remédio passa, sim, pela injeção de mais recursos financeiros. Essa é a opinião do médico-cirurgião Nacime Salomão Mansur, superintendente das instituições afiliadas à Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), uma organização social que gerencia 22 unidades de saúde no Estado de São Paulo. Para ele, a CSS não resolve o problema do setor - "R$ 13 bilhões são insuficientes" - e só a proposta do senador Tião Viana (PT-AC), que fixa os gastos em saúde em 10% da receita corrente bruta, resolveria o problema. "Hoje o gasto está em torno de 6%, então é possível escalonar o gasto, começando com 7%, depois com 8%, até chegar aos 10%, desde que se fixe um prazo. O próprio ministro da Saúde reconhece que o país precisa gastar mais R$ 45 bilhões na saúde, então precisamos apoiar a proposta do senador", disse ele, em entrevista exclusiva à Carta Maior, concedida pouco antes da votação da emenda 29 nesta quarta-feira, em Brasília.

Carta Maior - Um debate que existe entre políticos, gestores da saúde e acadêmicos é a necessidade de mais recursos para a saúde pública no Brasil. Mas muitos dizem, por outro lado, que é preciso melhorar a gestão antes de resolver o problema do financiamento. Qual sua opinião sobre isso?
Nacime Salomão Mansur - Primeiro que eu não vejo nenhuma dicotomia dicotomia entre financiamento e gestão. Aliás, são questões que se combinam, porque quanto menos recursos você tiver, mais gestão você precisa fazer. Agora, que o Brasil precisa melhorar seu padrão de financiamento da saúde, eu não tenho nenhuma dúvida. O gasto público hoje é menor do que os gastos privados. Nós precisamos inverter essa lógica e subir o gasto público. A maioria dos Estados já está chegando ao patamar de 12% de gastos na saúde, apesar de terem deixado de aplicar, agora, R$ 2 bilhões. Os municípios, na sua grande maioria, já ultrapassaram os 15% e há municípios do Estado de São Paulo que já empregam 26%, 27% de seu orçamento na saúde. Isso é insustentável.

CM - Resta, então, aumentar o gasto federal?
NSM - É a solução, até porque, nos últimos anos, o gasto federal, que nos últimos anos vem caindo. A emenda 29, que está sendo votada hoje (21), não vai resolver. A meu ver, a melhor proposta é a do senador Tião Viana (PT-AC), que destina para a saúde 10% da receita corrente bruta. Só assim seria possível fazer mais e viabilizar o financiamento para os próximos anos. Hoje o gasto está em torno de 6%, então é possível escalonar o gasto, começando com 7%, depois com 8%, até chegar aos 10%, desde que se fixe um prazo. O próprio ministro da Saúde reconhece que o país precisa gastar mais R$ 45 bilhões na saúde, então precisamos apoiar a proposta do senador.

CM - A CSS é uma opção?
NSM - Isso não resolve o problema porque traria muito pouco recurso. Os 13 bilhões que a contribuição traria são insuficientes. Precisamos de algo mais duradouro. Agora, essa discussão é muito bem-vinda. Vergonhosamente o Brasil investe em saúde per capita menos do que outros países da América Latina, como Chile e Argentina. Com mais recursos, e, claro, com novos mecanismos de gestão, seria possível melhorar o quadro.

CM - Em termos de gestão, quais são nossos problemas? O senhor, por exemplo, é um defensor da participação de organizações sociais na administração de hospitais. A solução passa por elas?
NSM - A forma do aparelho estatal, a sua cultura, os mecanismos de gestão de pessoas, a gestão dos processos internos do hospital, tudo isso me faz crer que é impossível fazer um gerenciamento adequado da saúde através dele. Isso não significa que eu defenda um Estado fraco ou menor. Ao contrário. O Estado tem de ser forte, estar presente, mas ele não precisa executar tarefas. São a regulação e os controles estatais que precisam ser aprimorados. Esse é o ponto central. Nosso desafio é montar nas secretarias de saúde, como aconteceu em São Paulo, uma estrutura de pessoas com conhecimento técnico, com uma visão moderna de avaliação e de indicadores hospitalares. O gestor estatal ainda é muito vinculado a idéia de processos, a realizar a licitação, executar a compra, e não tem obrigação sobre o resultado de sua gestão, que é uma falha que as organizações sociais podem suprir.

CM - Mas o afastamento do Estado da gestão não pode abrir espaço para projetos como o decreto 57.108 do governo de São Paulo, que abrem espaço para um tratamento diferenciado entre clientes do SUS e de planos de saúde?
NSM - Para mim esse debate foi mal colocado. Primeiro, eu sou totalmente contra a dupla porta, é uma idéia abominável você atender um paciente com estrutura de hotelaria e oferecer menos ao outro. Mas o que não podemos deixar de buscar é que os planos de saúde façam o ressarcimento do sistema público. Segundo o TCU, R$ 9 bilhões deixaram de ser pagos. Precisamos de uma lei que quebre os 100% de gratuidade do SUS porque, da forma que está hoje, o sistema público não pode fazer a cobrança dos planos. Hoje o ressarcimento se dá apenas para casos de internação, e perdemos muitos recursos com processos ambulatoriais, de tomografia, ressonância e pequenas cirurgias que deveriam ser pagas pelas operadoras de saúde.

CM - Há alguma outra fonte de recursos para a saúde que poderia ser usada?
NSM - Sim. O governo executa uma renúncia fiscal ao permitir que as pessoas abatam em seus impostos de renda gastos com planos de saúde. Isso gera uma perda de R$ 5 a R$ 7 bilhões por ano. Mas não acredito que algum governo tenha peito para mexer nisso, porque atinge diretamente a classe média.


Fotos: SPDM
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