Rio de Janeiro, 05 de Outubro de 2024

É preciso investir para revigorar o cinema brasileiro

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Quarta, 20 de Setembro de 2023 às 10:17, por: CdB

Não é de hoje que o cinema brasileiro enfrenta dificuldades para se impor ao mercado. Por diversos fatores, a produção nacional tem sido muito relegada. A volta da cota de tela, é urgente.


Por Marcos Aurélio Ruy – de Brasília


Volta à discussão a necessária reserva de mercado destinada às produções cinematográficas brasileiras. Isso porque a chamada Cota de Tela expirou no final de 2021 e ainda não foi instituída uma nova lei que estabeleça a obrigatoriedade de uma cota mínima de exibição de filmes nacionais nas salas de cinema espalhadas pelo país.




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A reação do cinema brasileiro pode persistir, mas com a Cota de Tela isso pode acontecer mais rapidamente

Porque sem essa obrigatoriedade, principalmente os filmes hollywoodianos invadem todas as salas de cinemas, e ainda por cima nos horários que contam com maior número de público, após as 18 horas.


– A Cota de Tela para filmes nacionais é fundamental para garantirmos o acesso do público, que ainda vai aos cinemas, ao conteúdo nacional – afirma Dani Balbi, roteirista de cinema e deputada estadual pelo PCdoB-RJ. Ela lamenta a decisão do Senado de retirar essa cota do Projeto de Lei (PL) 3696/2023, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (sem partido/AP).


O que para Randolfe revela o complexo de vira-lata em relação à produção cultural nacional. Dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine) mostram que, em 2021, a participação na venda de ingressos para filmes brasileiros caiu de 13% para 1,8%. Em 2022, a participação foi de cerca de 4,2%. A reação do cinema brasileiro pode persistir, mas com a Cota de Tela isso pode acontecer mais rapidamente.


Ainda que seja pequena a cota, deve girar em torno dos 30%, 25%, mas já dá a “certeza de que os títulos produzidos no Brasil, com atores e atrizes, com força de trabalho do audiovisual nacional, incluindo aí todas as categorias que fazem o audiovisual acontecer serão contempladas com alguma demanda permanente”, assegura Dani. “Esse é o primeiro ponto, essa é a primeira grande importância da Cota de Tela”.


Fica claro que “a Cota de Tela não é apenas sobre economia, mas é especialmente sobre valores culturais e visão de mundo, que tem no cinema um importante veículo de propagação. A proteção do cinema nacional não é apenas praticada pelo Brasil. Vários países a adotam como forma de proteger os seus valores e a sua cultura”, diz Allan Carlos Moreira Magalhães, doutor em Direito, professor e pesquisador com estudos no campo dos Direitos Culturais e autor do livro Patrimônio Cultural, Democracia e Federalismo.



Cota de Tela


Não é de hoje que o cinema brasileiro enfrenta dificuldades para se impor ao mercado. Por diversos fatores, a produção nacional tem sido muito relegada. É muito comum cinemas exibirem em todas as suas salas produções de Hollywood, às vezes um mesmo blockbuster em diversas salas e horários. Mesmo com a Cota de Tela, os filmes nacionais são prejudicados com exibições em horários “alternativos” com pouca frequência e com isso ficam poucos dias em cartaz.


Por isso, é necessário “uma posição muito clara em relação à ocupação, invasão na realidade, massiva de títulos estrangeiros, que têm uma função política muito clara, que é colonizar os gostos da população local em detrimento do nosso eminentemente regional, da nossa cor local ou das obras com a nossa cor local com todas as suas implicações consequentes”, argumenta Dani.


Os problemas vão além da necessária Cota de Tela. De acordo com a Ancine em 2022, o país contava com 3.401 salas de cinema, a maioria delas em shoppings nas grandes capitais. Mesmo assim, no ano passado o cinema brasileiro teve queda de 46,5% no público e de 35,4% na renda.


Para além das cotas é preciso pensar em aumentar o número de salas de exibição pelo país e melhorar a distribuição e a divulgação dos filmes nacionais. Importante “criar um mercado de reserva que mantenha aquecida a produção local e garanta a empregabilidade de diversas categorias que fazem o audiovisual funcionar”, diz Dani. “Além de ser uma trincheira de resistência à invasão colonial dos enlatados norte-americanos, que fazem acordos espúrios com os exibidores e limitam as salas (para filmes brasileiros)”.


Ela explica que na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) foi aprovado em primeira votação o Projeto de Lei 1.029/2023, de autoria do deputado Munir Neto (PSD-RJ), apelidado de Cota de Tela Estadual. Para Dani, “a nossa lei apresenta um grande avanço, limitando a exibição de filmes estrangeiros por complexo exibidor, determinando um número máximo de exibição simultânea de títulos que um complexo exibidor pode exibir em suas salas”.


Ela reforça a necessidade de uma regulamentação que “promova a exibição dos títulos nacionais nas faixas de horários de maior audiência, que são aquelas depois das 18 horas e nos finais de semana”.


Além de defender a Cota de Tela, Dani também argumenta em favor da criação de políticas de “fomento que garantam a produção recorrente do cinema e do audiovisual naquilo que tem de diverso com uma distribuição equânime para produtoras que não se situam nos grandes eixos de concentração de produção, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, para o fomento chegar no Norte e Nordeste, por exemplo”.


E também não fiquem concentrados nas grandes capitais para “termos mecanismos de incentivo às filmagens em todo o território nacional e que esse incentivo seja a contrapartida para a promoção das culturas locais”.


Mas para isso, segundo ela, é necessário haver “isenções fiscais mais diretas e também alguns auxílios que podem ser entregues via administração direta ou mesmo em parcerias público-privadas, que ajudem a aquecer o mercado do audiovisual”. Uma “indústria tão poderosa que tem um potencial de lucratividade maior que 500%”, garante.


O estudo da Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2022-2026, da PwC, mostra que o cinema brasileiro pode voltar aos níveis de antes da pandemia somente em 2026. Muito importante, então, acelerar esse processo com Cota de Tela e políticas de fomento das produções, além de trabalhar melhor a divulgação e a distribuição dos filmes do Brasil.


 

Marcos Aurélio Ruy, é jornalista.


As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil




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