Rio de Janeiro, 20 de Setembro de 2024

Não é piada: racismo de negros contra brancos no Brasil?

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Quinta, 27 de Janeiro de 2022 às 15:45, por: CdB

O racismo nas Américas vem de longe, vem do colonialismo europeu, do tráfico de escravos dos negros africanos. Por isso, diante da tese sociológica de um antropólogo sobre racismo reverso, de negros contra brancos, nada mais aconselhável do que buscar na imprensa de um importante país colonialista, a França, o que existe sobre o debate do racismo reverso ou anti-branco. Em linhas gerais as expressões racismo anti-branco ou racismo reverso são contestadas pelos pesquisadores franceses em ciências sociais, por serem de inspiração de extrema-direita.

Por Rui Martins
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O absurdo de se falar em racismo de negros contra brancos num país onde os negros são vítimas de todo tipo de racismo
Provocou forte reação entre intelectuais o artigo Racismo de negros contra brancos ganha força com o identitarismo, do antropólogo Antonio Risério, publicado em 16/01/2022 na Folha de S. Paulo, citando fatos ocorridos nos EUA embora querendo se referir à sociedade brasileira.
Não só isso: houve abaixo-assinado de jornalistas da própria Folha (seguido de explicações do diretor da redação, Sérgio Dávila), e outro abaixo-assinado, este de favoráveis à visão de Risério.
Por um momento – que esperamos seja longo, pois logo estará em discussão a reformulação das cotas raciais e a mudança do nome da Fundação Palmares para Fundação Princesa Isabel –, o linguajar chulo seguido de argumentos rasteiros e destituídos de inteligência do presidente Bolsonaro e seus ministros foi substituído, enfim, por um debate de nível universitário.
Teria Risério descoberto na Bahia a versão brasileira de Marcus Garvey, o jamaicano sindicalista que, nos anos 30, tendo se tornado líder dos negros estadunidenses, denunciava a segregação e os lichamentos, criou a United Negro Improvment Association e se intitulou o porta-voz da raça negra?
Ou encontrou algum descendente de Emiliano Munducru, o anti-segregacionista brasileiro pioneiro na luta contra a segregação nos Estados Unidos?
[Desconhecido no próprio Brasil, Munducru é citado na França e na África como exemplo, pois em 1833 ousou processar um capitão de navio por segregação.]
Ou existe algum Bobby Seale ou Huey Newton brasileiros querendo organizar uma versão dos Panteras Negros no Brasil?
Ao que se saiba, nenhum movimento anti-brancos, dirigido por negros, existe no Brasil. Se os brancos são os alvos preferidos nos assaltos não é por motivo racial, mas por possuírem mais dinheiro ou viverem em propriedade com bens de maior valor.
                                                                                                                                          "O cantor de jazz", 1º filme falado da história, traz o ator branco Al Jolson como um músico que pinta a cara de preto para alcançar o sucesso.
Bem ao contrário de incitar um racismo contra brancos, Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, está empenhado em acabar com a legenda do herói negro Zumbi, para transformar a abolição da escravidão não numa conquista dos abolicionistas, mas numa dádiva da princesa Isabel, um tanto tardia, pois o Brasil foi o último país americano a acabar com a escravidão.
Camargo nada tem de contestador do racismo no Brasil, pois está empenhado numa depuração da Fundação Palmares, equivalente a uma limpeza destinada a apagar da memória brasileira todos os nomes de negros conhecidos por terem denunciado o racismo, num processo absurdo de branqueamento dele e de nossa história.
A provocação feita por Risério já havia sido brilhantemente contestada, p. ex., pelo professor Fabrício César de Oliveira neste artigo do Observatório de Imprensa.
Mas, resolvi dar também a minha opinião face à evasiva resposta do diretor da redação da Folha Sérgio Dávila e à alegação indevida do editor Marcos Augusto Gonçalves de que esperavam reações e argumentos para um debate, contudo infelizmente, não houve debate algum, mas um tsunami nas redes sociais para tentar silenciar e punir, como de hábito, o divergente.
Ora, houve debates, e muitos, e mesmo o elogio do autor da visão do racismo reverso, no numeroso abaixo-assinado de seus apoiadores, segundo os quais ele seria, no momento uma das vozes mais importantes do país, sobretudo por fazer oposição a uma ideologia intolerante e autoritária (mas não identificada e nomeada!).
A cor do texto desse abaixo-assinado é tão evidente, que nele só falta a assinatura de Sérgio Camargo, se é que já não assinou…
O racismo nas Américas vem de longe, vem do colonialismo europeu, do tráfico de escravos dos negros africanos. Por isso, diante da tese sociológica de um antropólogo, nada mais aconselhável do que buscar na imprensa de um importante país colonialista, a França, o que existe sobre o debate do racismo reverso ou anti-branco.
Em linhas gerais as expressões racismo anti-branco ou racismo reverso são contestadas pelos pesquisadores franceses em ciências sociais.
O racismo dominante está inscrito na organização social, é sistêmico e estrutural. No campo político, essas expressões são utilizadas e instrumentalizadas pela extrema-direita ou direita nacional populista.
De acordo com a professora de filosofia política na Universidade Panthéon-Sorbonne, Magali Bessone, a noção de racismo anti-brancos não é pertinente nas sociedades onde os brancos estão em posição de dominação, podendo haver casos isolados, mas considerados ódio racial. (Publicado originalmente no Observatório da Impresa, usamos a iconografia do blog Náufrago da Utopia, onde foi republicado).
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
Direto da Redação é um fórum de debates publicado no Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.
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