A ditadura encerrou o ciclo de governantes militares depois de o regime ter sido mostrado em sua fraqueza. Desafiada pelos movimentos grevistas que aconteceram a partir de 1978. Depois de ter sido mostrada, em seu anacronismo, pelos manifestos dos empresários, o primeiro deles de 1978
Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro
A vitória notável dos Estados Unidos, na Segunda Guerra, não aconteceu nos campos de batalha, mas na arena política. Monopolizando os méritos de uma vitória que esmagava o fantasma do nazifascismo e criando em seguida a dicotomia que tomou a forma de "guerra fria", os Estados Unidos logo substituem a ideologia da Paz pela da Modernidade: fruto do progresso das ciências aplicadas à produção de bens de consumo.Governo FHC
A ditadura encerrou o ciclo de governantes militares depois de o regime ter sido mostrado em sua fraqueza. Desafiada pelos movimentos grevistas que aconteceram a partir de 1978. Depois de ter sido mostrada, em seu anacronismo, pelos manifestos dos empresários, o primeiro deles de 1978. Mas foi a partir de 1990 que o modelo de modernidade periférica passou a ser executado coerente e consistentemente. Retomando-se o que os anos de desenvolvimentismo modernizante tinham preparado. Não houve, com os oito anos de governo FHC, um ato de traição, com a submissão da soberania nacional. Ao sistema financeiro internacional. Mas o continuísmo conservador que foi e é a marca da cultura política brasileira.Camada culta
A partir de 1990, inaugurado o discurso da modernidade, a inteligência nacional tornou-se de vez desnecessária e mesmo inconveniente. Durante a ditadura, ela foi necessária, como voz acusadora, por isso mesmo censurada. Mas, no mundo novo da democracia consentida, não sendo mais necessária, ela foi deixando de ser ouvida. No passo adiante, a ser substituída por uma ideologia nova. A modernidade criou a sua ideologia através dos computadores, para isto tendo necessidade de hardware, software, programadores, analistas e digitadores. Mas não de intelectuais, inúteis diante do computador, tanto quanto a própria cultura, substituída pela informação. Com isso, para a camada culta, ou melhor, para a parcela que se dedica à produção escrita, perdeu-se a sensação de que tinha uma missão a cumprir tendo sido, até então, porta-voz de uma classe social. Viu-se descartada, passando a sentir-se completamente isolada entre as camadas massificadas. A burguesia que não precisava mais dela. Nesse mundo da modernidade periférica, as classes médias desempenham o papel do equívoco e da inconsequência. Convivendo e habituando-se aos confortos permitidos pelo progresso, algo permitido pela fuga sistemática da confrontação com a realidade. Optam por conviver com uma das piores concentrações de renda do mundo. Milhões de cidadãos abaixo da linha da pobreza, uma economia que se desindustrializou, a impunidade da corrupção.E o povo?
Classes médias assumiram as delícias do hedonismo individualista. Permitiram a criação da monstruosidade que pode ter o nome de fascismo do consumo. Coerentes, incorporaram toda a ideologia da globalização modernizante. Aquilo que foi sonhado desde a segunda metade dos anos 50, no século passado, quando se começou a entender que era imprescindível “aprender inglês”, glorificando-se Brasília, a cidade do futuro. As classes médias brasileiras definitivamente não têm livros. Assistem ao “jornal da TV” e assinam a revista Veja. Mas, e o povo, onde esteve e está? No Brasil, a estratificação social coloca a maioria de sua população nessa categoria. Gente comum, que sobrevive mal, excluída social e economicamente, vivendo nas periferias das grandes cidades que 'as gentes' do campo vieram inchar. O discurso da modernidade, quando se dirige às classes populares, utiliza-se de recursos que são os mesmos empregados para sustentar a venda de produtos de consumo de massa – alimentos e bebidas, academias e drágeas de embelezamento – sendo, portanto, um discurso empobrecedor em si mesmo. Mas, que propositadamente não é retórico, tentando-se a criação de uma intimidade artificial. Algo que permitiria a “sugestão inteligente e amiga”. A campanha eleitoral de 2014 fez-se como exemplo gritante disso. A morte acidental de um candidato foi o ponto de partida, capaz de transformar a vitória prevista de Dilma Rousseff, já em primeiro turno em disputa acirrada. Graças à "intimidade" criada artificialmente pelo ambiente de uma câmara mortuária.Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.