Blinken em Pequim e o ‘primeiro botão da camisa’

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Publicado Segunda, 29 de Abril de 2024 às 09:42, por: CdB

Blinken declara que EUA e China devem abordar suas diferenças com “responsabilidade”, enquanto Xi Jinping é mais enfático. Afirma o líder comunista que a China fica feliz com os êxitos e o desenvolvimento dos EUA e cobra um sentimento recíproco.


Por Wevergton Brito – de Brasília


O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, esteve em Pequim aonde chegou na última quarta-feira. Durante sua visita, reuniu-se longamente com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi e na sexta encontrou-se com Xi Jinping. A visita faz parte de uma série de movimentos dos EUA e da China no sentido de “estabilizar” a relação bilateral, bastante afetada nos últimos tempos. No início deste mês de abril, mais precisamente no dia 2, o presidente chinês Xi Jinping e seu homólogo estadunidense, Joe Biden, já haviam conversado por telefone, a pedido do americano, e tiveram, segundo a agência chinesa Xinhua, “uma conversa franca e profunda sobre as relações China-EUA e assuntos de interesse mútuo”. Logo após, em declaração à mídia sobre o diálogo, Xi Jinping fez uma metáfora sobre a relação entre os dois países, dizendo que ao vestir uma camisa, se você não abotoar o primeiro botão na casa correta, a camisa necessariamente ficará desalinhada. Depois do encontro de hoje com Blinken, Xi Jinping voltou a fazer alusão à metáfora do “primeiro botão da camisa”. O que quer dizer Xi Jinping com isso? Bom, é preciso em primeiro lugar entender que EUA e China desenvolveram, ao longo dos últimos 45 anos, volumosas e complexas relações econômicas que, se abaladas seriamente, causariam efeitos prejudiciais a ambos os países. Daí que as disputas geopolíticas entre as duas nações são conduzidas, quase sempre, com o máximo cuidado.




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A estabilização das relações China, EUA depende da resolução de uma contradição fundamental

Blinken em Pequim e o “primeiro botão da camisa” II


Blinken declara que EUA e China devem abordar suas diferenças com “responsabilidade”, enquanto Xi Jinping é mais enfático. Afirma o líder comunista que a China fica feliz com os êxitos e o desenvolvimento dos EUA e cobra um sentimento recíproco, maneira bastante hábil de se contrapor aos recentes “conselhos econômicos” estadunidenses no sentido de que a China deve conter seu desenvolvimento. Xi voltou a propor que as relações China-EUA sejam baseadas em três princípios: respeito mútuo, convivência pacífica e benefício mútuo (relação de “ganha-ganha”, como gostam de falar os chineses). Afinal, Xi Jinping lembra constantemente que: “o mundo é grande demais e pode perfeitamente ter lugar para que EUA e China convivam de forma harmoniosa”. O problema é o tal “primeiro botão”. Os últimos documentos oficiais sobre a política de segurança nacional dos EUA definem a China como uma “ameaça estratégica”. Durante os debates da campanha eleitoral de 2020, Trump e Biden divergiam sobre quase tudo, menos sobre a China. A China não deixou de registrar que a visão dos EUA sobre o país representa um consenso bipartidário, e o que pode variar, no caso, são os métodos, o tom e a ênfase, mas a essência será a mesma, independentemente de Trump ou Biden. Em 2022, o documento sobre a política de segurança nacional dos EUA mais recente, portanto já sob governo Biden, volta a mencionar a China como uma ameaça à hegemonia americana. O documento diz que a China “é o único competidor com a intenção de mudar a ordem internacional e, ao mesmo tempo e cada vez mais com poder econômico, diplomático, militar e tecnológico para avançar nesse objetivo“.



Blinken em Pequim e o “primeiro botão da camisa” III


Durante a apresentação do texto, Jake Sullivan, assessor de Segurança Nacional de Biden, disse que “a era pós-guerra fria acabou” (uma admissão implícita de que o mundo já não é unipolar) e do que se trata agora é conformar o que “virá depois dessa era”. Este é, afinal, o tal “primeiro botão”. Como cobra repetidamente Xi Jinping e os dirigentes da República Popular da China, os EUA devem decidir se querem ser parceiros ou adversários da China. A China, em conjunto com a Rússia, propõe “novas relações internacionais”, consentâneas com o mundo multipolar, tendo a ONU como centro e a carta das Nações Unidas como norma orientadora. Um mundo onde todos os países terão direito a escolher seu próprio modelo de desenvolvimento e democracia. Ora, objetivamente isso se choca com os interesses dos EUA, que reconhecem que o mundo mudou, mas lutam tenazmente para que, em essência, nada mude, pois não cogitam a hipótese de abrir mão de seu papel de “nação líder do planeta”. Na última quarta-feira, poucas horas antes de Blinken desembarcar na China, o presidente dos EUA, Joe Biden, assinou um projeto de lei destinando bilhões de dólares para “combater o poder militar da China” e outros tantos bilhões para a “defesa de Taiwan”. Essa contradição não irá se resolver tão cedo, pois os dois países sabem muito bem o que está em jogo, contudo levam em conta os impactos imediatos de uma conflagração aberta, que não é do interesse de nenhum dos lados. Porém, a contradição seguirá latente e irá, cedo ou tarde, encontrar uma resolução, esperemos que de forma pacífica. O fato é que a camisa continuará desalinhada por um bom tempo, até que um dos dois contendores resolva mudar o figurino. No caso, aposto minhas fichas em que os EUA serão constrangidos a fazê-lo pois seu visual hegemônico, cada vez mais contestado, pertence a temporadas passadas. Claramente saiu de moda.


Conselho de Stálin a Enver Hoxha: “Seja como for, o problema religioso deve ser encarado com muita atenção, é preciso atuar com cuidado neste campo porque não podemos ignorar os sentimentos religiosos do povo. Há séculos que os homens cultivam esses sentimentos e por isso é preciso proceder com muita ponderação, pois a atitude adotada em relação a este problema influirá na coesão e unidade do povo“.


Livro de Enver Hoxha: Com Stálin, Recordações.


 

Wevergton Brito, é jornalista, vice-presidente nacional do Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade ao Povos e Luta pela Paz).


As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil






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