"Melhor a volta da censura do que uma mídia que se vende ao governo"

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Publicado Segunda, 13 de Abril de 2015 às 11:26, por: CdB
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Renata Mielli, coordenadora nacional do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, lembrou a necessidade da implantação de um um sistema democrático de distribuição das verbas públicas de publicidade e propaganda
A senhora com seus aparentes 70 anos subia a Avenida Brasil, em Belo Horizonte, em direção à Praça da Liberdade, na manhã de domingo. Ao seu lado a filha, divorciada, três netos e o namorado da enteada que espera constituir casamento até o fim de 2015. Camisa do Brasil com o número dez às costas, a Aecista que se envergonha do povo mineiro que derrotou seu candidato em três pleitos no ano passado (primeiro turno na disputa pelo governo do Estado e duas vezes para a Presidência da República), disse, ao ler no crachá deste missivista um manifesto em defesa da democratização da mídia: "Melhor a volta da censura do que uma imprensa que se vende ao governo". A incoerência não se prende a limites, como se vê. A senhora subiu a ladeira em busca de um "Brasil melhor para meus netos" num ânimo, mas desceu a mesma Avenida Brasil uma hora e meia depois com um sorriso acanhado nos lábios. Afinal, a mídia que ela criticou estava lá na Praça da Liberdade para dar força ao movimento que quer o impeachment a presidenta - uma mulher que é da mesma geração da nossa heroína. Mas, nem mesmo com câmeras de TV e helicópteros, a acanhada Praça da Liberdade reuniu nada mais do que três centenas de manifestantes: "domingo de sol é assim mesmo. E além do mais jogam Galo e Cruzeiro, né?", disse resignada a senhora de mãos dadas com a netinha que se divertia jogando para o alto a pequena bandeira do Brasil. Do outro lado da Praça da Liberdade, um grupo de 700 abnegados se reuniu durante três dias para falar sobre a tal "Democratização da Comunicação" que a senhora mineira não aprova. Coordenado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o movimento apresentou propostas importantes para que os que enxergam na concentração oligopolizada da mídia no Brasil uma doença a ser extirpada ao lado da corrupção, sonegação de impostos e inexistente participação popular em projetos de interesse social. – Pensávamos que iríamos reunir 300 pessoas. Eis que às vésperas do evento nada menos do que 700 pessoas estavam inscritas e compareceram. Isso revela o quanto a pauta da democratização da mídia já é assimilada pelos mais diversos setores organizados da sociedade e passa a figurar como uma necessidade premente - disse Renata Mielli, uma das organizadoras. Mielli lembrou também que o Encontro abre uma lacuna para mudanças estruturais neste campo: – Não há avanço social sem democratização da mídia. A discussão tem que avançar com força política. Existe uma agenda de defesa da democratização que os movimentos sociais precisam se apropriar, se empoderar. Presidente do Grupo de Estudos Barão de Itararé, Altamiro Borges também se disse impressionado com a adesão às propostas. Para ele, o movimento tende a crescer e ganhar força política. Entretanto, reconhece, a formação conservadora do atual Congresso Nacional pode atravancar o processo: – Temos que levar nossas bandeiras à Brasília e forçar que o parlamento se sensibilize com uma causa tão importante. Também participaram do 2o Encontro Nacional Pelo Direto à Comunicação o professor argentino Guillermo Mastrini, e o uruguaio Gustavo Gómez. Os dois países são referências no continente no enfrentamento de uma estrutura de comunicação que vigorava nos seus países. Theófilo Rodrigues, coordenador do mesmo Barão do Itararé no Rio, acredita que já é hora de levar a proposta à Dilma Rousseff para que o Brasil siga o modelo de seus vizinhos e se encha de coragem para fazê-lo: -Ela é a dona da conta e deve ser sim arguida sobre a omissão do governo neste campo, disse, e completou: "nossos vizinhos conseguiram a aprovação da Lei de Meios porque enfrentaram oligopólios com coragem. Um outro participante do encontro lembrou que o fomento de iniciativas nas mais diversas áreas deve ser uma atividade prestigiada e estimulada pelo governo, mas não apenas o Federal: "prefeitos de capitais e cidades do interior devem participar deste processo também. A democratização da mídia não deve ser vista como uma ação apenas do âmbito federal", disse. Tantas foram as propostas que há de se lamentar que a ingênua senhora mineira, de tão boas intenções para o Brasil de seus filhos e netos, não tenha assimilado ainda a essência e importância de Democratizar a Comunicação. Caso reconhecesse sua legitimidade, não teria sido estimulada a participar de um movimento que, na sua essência, revela compromisso com a ditadura da qual manifesta ter alguma saudade. -Meus filhos foram criados com duas empregadas em casa. Uma para lavar, passar e cozinhar e outra que era faxineira e babá. Hoje não consigo mais pagar nem uma empregada. Elas querem tudo: FGTS, Carteira Assinada, férias, descanso semanal.... Então como você diz que o Brasil melhorou? O Brasil piorou. E muito! Que a democratização da mídia seja uma realidade quando os netinhos daquela senhora mineira se tornarem adultos. Fábio Lau é jornalista, diretor de Redação do Conexão Jornalismo.
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