Rio de Janeiro, 19 de Setembro de 2024

Líder sem-terra, Stedile avalia que onda de ultradireita perde força na América Latina

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Quinta, 24 de Dezembro de 2020 às 12:06, por: CdB

Quando Stedile fala em alterar a correlação de forças, pensa em abrir caminhos para a Reforma Agrária Popular, o projeto de país do MST. O ano de 2020, porém, foi de ações contundentes contra a luta pela terra no campo brasileiro.

Por Redação, com BdF - de São Paulo
Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o economista João Pedro Stedile aposta em mudanças na correlação de forças do continente americano em 2021.
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Líder do MST e um dos principais aliados dos governos petistas, João Pedro Stédile aponta erros graves na condução política do partido
— Já começaram a soprar os ventos favoráveis dos Andes. Vamos ter eleições em fevereiro no Equador, depois no Peru e depois no Chile. As forças progressistas vão ganhar essas três eleições, e isso vai então alterar a correlação de forças na América Latina. Praticamente vai ficar apenas o Brasil como um governo direitista — afirmou, em entrevista ao site de notícias Brasil de Fato (BdF), nesta quinta-feira. Segundo Stedile, “aqui para o Brasil, a correlação de forças a gente muda com a luta de classes”, receitou. — Estou confiante que assim que conseguirmos universalizar o acesso à vacina, isso vai nos dando capacidade e espaço para mobilizar, fazer lutas de massas, alterar a correlação de forças — acrescenta.

Luta pela terra

Quando Stedile fala em alterar a correlação de forças, pensa em abrir caminhos para a Reforma Agrária Popular, o projeto de país do MST. O ano de 2020, porém, foi de ações contundentes contra a luta pela terra no campo brasileiro. Entre outros eventos, o período ficou marcado pelo despejo violento de 56 horas de duração no acampamento Quilombo Campo Grande, no Sul de Minas Gerais, que ficou para a história como o mais longo do século XXi no Brasil. Também em 2020, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) negou o auxílio emergencial a agricultores familiares durante a pandemia de covid-19. A este cenário, somou-se ainda o aumento da violência no campo, de acordo com números da Comissão Pastoral da Terra (CPT): um crescimento de 1.880% de ocorrências em relação a 2019.

Agroecologia

Para Stedile, Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, são legítimos representantes do “latifúndio atrasado” – “que só acumula se apropriando dos bens da natureza” –, mas, em compensação, entregou seu ministério da Agricultura para o agronegócio exportador, mais moderno mas igualmente predatório – que também agride o meio ambiente, depende do uso ostensivo de veneno e não paga impostos. Como contraponto aos dois modelos muito bem representados pelo governo federal, Stedile explica o caminho da agroecologia e do cooperativismo. Também analisou o resultado das eleições nacionais e fez projeções para o 2021 que se aproxima. Ainda segundo o economista, “na área da reforma agrária, simplesmente paralisaram”. — Não tem mais desapropriação. Sucatearam o departamento de obtenção de terras, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), o Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária (ATES), o Programa Nacional de Habitação Rural. Também desidrataram a compra antecipada de alimentos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) Era um programa muito generoso, porque garantia a compra de qualquer alimento dos camponeses. Também acabaram praticamente com o controle sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que determina que 30% de todos os recursos da merenda escolar devem ser adquiridos com produtos alimentícios produzidos pela agricultura familiar. Isso tem ligação não apenas com uma política de governo, mas uma política estruturante do país, que é a questão da exportação de commodities em detrimento do desenvolvimento interno. Gostaria que o senhor falasse um pouco dessa questão da posição do Brasil no mundo como exportador de commodities e como o governo Bolsonaro intensifica esse processo.

Modelo

Há no Brasil nas três últimas décadas uma disputa permanente entre três modelos de domínio da agricultura. Um é o latifúndio atrasado que só quer se apropriar das terras públicas e não produz nada. Só acumula se apropriando dos bens da natureza, daí o nome “atrasado”, porque é uma referência à acumulação primitiva de capital. O segundo é o agronegócio, que só produz commodities para exportação, utilizando um modelo de produção que agride o meio ambiente, com o uso de sementes transgênicas e dos agrotóxicos, e expulsando a mão de obra com a mecanização, além de não pagarem nada de imposto. E o terceiro modelo é o nosso modelo da agricultura familiar camponesa, no qual nos dedicamos a produzir alimentos para o mercado interno. Esses três modelos se enfrentam cotidianamente, porque são contraditórios entre si. Agora, no atual governo neofascista do capitão, adquiriram mais força no Estado brasileiro o modelo, sobretudo, do latifúndio, representado no governo por Ricardo Salles e Nabhan Garcia, que passaram a boiada.

Agronegócio

O modelo do agronegócio é da natureza do capitalismo e por isso está presente na América Latina, na África, na Ásia, independente de governo. No caso brasileiro, vem desde Fernando Henrique Cardoso, quando emergiu o agronegócio. O Estado brasileiro criou ainda mais condições para o agronegócio desenvolver. Ao contrário da Argentina, por exemplo, o agronegócio não paga imposto de exportação, por meio da Lei Kandir. Então, é um modelo que produz muita riqueza, porém é acumulada apenas por alguns poucos proprietários de terra. Então, a bem da verdade, o governo Bolsonaro só seguiu incentivando, entregou o Ministério da Agricultura para o agronegócio — concluiu.
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