Davos, um Fórum desvalorizado

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Publicado Domingo, 15 de Janeiro de 2023 às 14:31, por: CdB

Durante uma semana, o Fórum Econômico de Davos buscará uma bússola, mas a sociedade civil não desiste de suas críticas. Do dia 16 ao 20 de janeiro, o Fórum Econômico de Davos se reunirá novamente nessa cidade suíça sob o slogan “Cooperação em um mundo fragmentado”. Mais de 2.500 participantes, incluindo cinquenta chefes de Estado ou de governo, chegarão a esse resort de inverno nos Alpes. Ao contrário das edições anteriores, com exceção do chanceler alemão Olaf Scholz, nenhum líder de uma grande potência confirmou sua viagem a Davos.

Por Sérgio Ferrari
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Uma semana de encontros entre os poderosos
Como é de costume, chegam representantes do mundo dos negócios, da política, da ciência e da cultura. De acordo com as autoridades suíças, entre 200 e 300 deles estão protegidos pelo Direito Internacional (por exemplo, chefes de Estado e de Governo, ministros ou altos representantes de organizações internacionais), o que exige uma maior segurança.
O dispositivo de segurança do Fórum de Davos (World Economic Forum, WEF, por sus siglas inglês) custará cerca de 9,7 milhões de dólares, dos quais um terço é financiado por ele mesmo e o restante por agências federais, cantonais e municipais, ou seja, pelos contribuintes suíços. Fator sublinhado em repetidas críticas da mídia nacional que questiona essa excessiva participação do Estado em uma convocação de natureza privada. Mundo em crise Como apontam os organizadores do Fórum, o mundo enfrenta uma crise desgastante. E acrescentam que as consequências da pandemia de Covid-19 e da inesperada guerra Rússia-Ucrânia aumentam a incerteza planetária, produzem uma queda acentuada no crescimento e um aumento significativo da inflação. Isso requer a busca de soluções coletivas e ousadas. A 53ª edição do Fórum de Davos será estruturada em torno de cinco eixos temáticos: crise energética e alimentar; a economia em um período de alta inflação, baixo crescimento e alto endividamento; obstáculos da indústria; vulnerabilidade social no contexto de um novo sistema de trabalho; bem como os riscos geopolíticos no âmbito de um novo sistema global multipolar. A plataforma digital suíça swissinfo.ch, encabeça uma análise publicada na segunda sexta-feira de janeiro “O Fórum Econômico Mundial, sob o signo da agitação social” e enfatiza que “a ameaça de potenciais distúrbios sociais testará a temperança das elites políticas e empresariais” que se reúnem em Davos no alvorecer de um “imprevisível e perturbador 2023”. A análise ressalta que “o aumento dos preços dos combustíveis e dos alimentos levou a protestos e greves em todo o mundo no ano passado”, e lembra a opinião de muitos economistas que preveem mais dor e pressão sobre as famílias, particularmente as mais modestas, nos próximos meses. Estudos recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outras organizações multinacionais reduzem as expectativas de crescimento para 2023 para 2,7% e antecipam que a economia global desacelerará mais do que o esperado. Os países enriquecidos não excederão, com exceções como o Japão, um crescimento de 1% (Estados Unidos 1%; zona do euro 0,5%), enquanto nas nações periféricas (países "em desenvolvimento") espera-se uma média de 3,7%. De acordo com o Banco Mundial, os países latino-americanos crescerão apenas entre 0,9% no México; 0,8% no Brasil; 2% na Argentina; e excepcionais 5,2% no Paraguai. Por sua vez, a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), em seu relatório Panorama Social 2022, publicado em novembro do ano passado, considera que 201 milhões de pessoas (32,1% da população total da região) vivem em situação de pobreza, das quais 82 milhões (13,1%) em extrema pobreza. Além disso, a CEPAL estima que em 2023 a desaceleração do crescimento econômico na região se aprofundará, atingindo uma taxa de 1,3%, o que representa apenas um terço da de 2022 (3,7%) e uma queda abrupta em comparação com 6,7%, em 2021 (https://www.cepal.org/es/comunicados/economias-america-latina-caribe-se-desaceleraran-2023-creceran-13). Críticas a Davos Embora o WEF se considere um espaço importante para abordar esses problemas agudos que confrontam o planeta com a atual ordem econômica dominante, há múltiplas vozes críticas contra esse evento que há décadas demonstra uma grande impotência para propor soluções globais. Por exemplo, como sublinha a análise da swissinfo.ch, a Patriotic Millionaires, associação que reúne mais de 100 pessoas com grandes fortunas, principalmente estadunidenses, já havia emitido uma avaliação muito crítica sobre o WEF no ano passado.“A verdade é, nesse momento, que Davos não merece a confiança do mundo. Apesar das incontáveis horas gastas debatendo como tornar este mundo um lugar melhor, esse fórum gerou pouco valor tangível em meio a uma torrente de complacências”. (https://www.swissinfo.ch/eng/business/make-us-pay-more-tax---patriotic-millionaires--tell-wef/47274132). Morris Pearl, presidente da Patriotic Millionaires, em declarações recentes à mesma plataforma digital suíça (a antiga Rádio Internacional Suíça) argumenta que “o WEF é um símbolo de desigualdade. Ganha grandes quantias de dinheiro cobrando das pessoas que participam da conferência. Até agora, não vi nenhuma evidência sólida de que as pessoas que dirigem o WEF ou participam do fórum estão planejando mudar o desenvolvimento dessa crescente desigualdade”. Por sua vez, o Greenpeace, em um comunicado publicado na sexta-feira 13, enfatiza as profundas contradições em relação ao meio ambiente entre a retórica do WEF e suas práticas concretas. “Os ricos e poderosos se reúnem em Davos para debater sobre o clima e a desigualdade a portas fechadas usando o meio de transporte mais desigual e poluente: os jatos particulares”, enfatiza a ONG internacional. De acordo com um estudo da consultoria ambiental holandesa CE Delft, o número de voos de jatos particulares com origem ou destino de/para aeroportos de Davos dobrou durante o Fórum de 2022. Os pesquisadores identificam que, aproximadamente, um em cada dois voos se destinam à reunião. De todos esses voos, 53% foram inferiores a 750 km, que poderiam ter sido facilmente percorridos de trem ou carro; 38% foram voos ultracurtos de menos de 500 km. O voo mais curto registrado foi de apenas 21 km. Quase 80% da população mundial nunca viajaram em avião e sofrem com emissões de aviação prejudiciais ao clima, diz o Greenpeace. Em um momento em que o Fórum de Davos afirma estar comprometido com a meta climática de 1,5°C estabelecida em Paris, essa “festa anual de jatos particulares” é uma classe magistral de hipocrisia e mau gosto. Por outro lado, setores jovens, autônomos e progressistas da sociedade civil suíça repetem os apelos dos anos anteriores para denunciar o Fórum de Davos, “que vem tentando salvar o mundo há mais de 50 anos. No entanto, são precisamente eles que continuam a aclamar e promover o capitalismo e a crise climática”, sublinha um grupo de organizações que se mobilizam no fim de semana que antecede o início do Fórum. Na Casa do Povo de Zurique (Volkshaus), se realiza “O outro Davos”, que se define como “um contra evento” e que lança como seu lema: “em solidariedade contra a inflação, contra a catástrofe climática e contra a guerra”. No sábado, 14, começa a "Greve contra Davos", pela justiça climática, uma marcha de 26 quilômetros da cidade de Küblis que, passando por Klosters, tentará chegar à sede das reuniões do WEF. Alternativas desde Davos? Uma voz com propostas e soluções globais ou um Fórum repetitivo e desvalorizado. Essa é a questão que, novamente, surge em torno da nova edição do WEF, na terceira semana de janeiro. Por trás de cada iniciativa internacional estão indivíduos, personalidades. O WEF não é exceção à regra. Dentro de seu Conselho de Administração, há muitos rostos familiares. Alguns deles, entre outros: a diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva; Christine Legarde, Presidenta do Banco Mundial; Knozi Okonjo-Iweala, Diretora da Organização Mundial do Comércio (OMC); o ex CEO da Nestlé, Peter Brabeck-Letmathe; Andre Hoffmann, executivo de inúmeras empresas multinacionais, incluindo a Roche Holding; Marc Schneider, diretor-presidente da Nestlé (https://www.weforum.org). Davos, sua estrutura organizacional, a grande maioria dos participantes regulares, as demandas econômicas para participar desse conclave, expressam a visão hegemônica deste mundo submerso em crises políticas, militares e econômicas. São rostos e vozes do poder e para o poder. Aqueles que já dirigem as rédeas planetárias chegam a Davos. O Planeta Terra, em chamas, continua a procurar e a esperar soluções climáticas, democráticas e de recuperação económica com equidade. Uma sociedade mundial submersa na incerteza. E neste concerto, um Davos desvalorizado. Um pouco mais do mesmo. (Por Sergio Ferrari jornalista, tradução de Rose Lima) Direto da Redação é um fórum de debates publicado no jornal Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.
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