Breve ensaio sobre a hipocrisia

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Publicado Terça, 15 de Novembro de 2005 às 20:27, por: CdB

Uma das características mais notáveis dos dias que correm é a banalização ou mesmo perda do significado das palavras. Trata-se de um fenômeno cuja freqüência, extensão e profundidade é de tal ordem que se enraizou na sociedade como algo cotidiano como a chuva e o chinelo de dedo. A perda de referências e o esvaziamento de sentido parecem andar de mãos dadas com a privatização da vida e do pensamento. A política é um território privilegiado para constatar essa banalização crescente. Talvez uma das tarefas mais urgentes deste período seja justamente colocar o dedo na ferida e voltar a chamar as coisas pelo seu real nome. A atual crise política, além de revelar um conjunto de lambanças praticadas por dirigentes do PT, fornece uma rara oportunidade para colocar isso em prática, elaborando um pequeno glossário sobre o esvaziamento do sentido das palavras.

Tomemos um exemplo: a palavra "hipocrisia". O dicionário Houaiss informa: "característica do que é hipócrita; falsidade; dissimulação; ato ou efeito de fingir, de dissimular os verdadeiros sentimentos, intenções; fingimento, falsidade; caráter daquilo que carece de sinceridade". A etimologia do termo, segundo o mesmo dicionário, revela outros significados muito interessantes: a origem é grega - hupokrisía,as; hupókrisis, eós - , resposta, resposta de oráculo; ação de desempenhar um papel, uma peça, uma pantomima; desempenho teatral, declamação; dissimulação, falsa aparência. Quem está acompanhando as sessões das CPIs no Congresso Nacional e a maneira como a imensa maioria da mídia vem cobrindo as investigações e os desdobramentos da crise têm um banquete farto para aplicar esses significados à realidade. Poucas vezes assistiu-se a uma orgia tão explícita de hipocrisia.

Domingo, três horas da tarde. O portal UOL informa em sua manchete: ACM e Jereissati planejam levar Palocci ao plenário do Senado. O objetivo é fazê-lo sangrar até a morte, ele e o governo Lula obviamente. Em sua edição de domingo (13 de novembro) a seção "Painel", da Folha de São Paulo, informa: "PSDB e PFL se reuniram na semana passada e chegaram à conclusão de que, com Lula protegido em sua bolha de plástico, a saída seria retirar a rede de proteção que ainda mantinham sob os pés de Antonio Palocci". Essas poucas palavras explicam por inteiro o objetivo estratégico das atuais investigações: a oposição, capitaneada por PSDB e PFL, não tem o menor interesse em desvendar os mecanismos e as trilhas da corrupção no Brasil. Afinal, se tais mecanismos e trilhas existem, os setores sociais que representam são os responsáveis históricos pela sua criação, uma vez que sempre estiveram no poder e comandaram o Estado brasileiro. O objetivo é desgastar ao máximo o governo Lula, fazê-lo sangrar o máximo possível, para tentar voltar ao poder em 2006.

Bem, isso não é exatamente nenhuma novidade e vem sendo dito abertamente por líderes tucanos e pefelistas. Os discursos entusiasmados em defesa da moralidade pública protagonizados por parlamentares e dirigentes desses dois partidos encaixam-se como uma luva na acepção grega da palavra "hipocrisia": desempenho teatral, dissimulação, pantomima. O senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), um dos personagens centrais desse teatro, vem soltando o verbo denunciando, entre outras coisas, a prática do caixa-dois pelo PT. O senador tucano foi o autor do requerimento pedindo a instalação de uma CPI para investigar a prática. Deveria começar as investigações na própria casa, pois já admitiu publicamente que fez uso dela em campanha eleitoral.

A revista Carta Capital desse fim de semana resgatou declarações que Virgílio fez ao Jornal do Brasil, em 19 de novembro de 2000, onde confessa ter se utilizado do caixa-dois. Na matéria, ele afirmou: "Em 1986, fui obrigado a fazer caixa dois na campanha para o governo do Amazonas. As empresas que fizeram doação não declararam as doações com medo de perseguição política". Segundo a matéria do JB, intitulada "Ilegalidade na campanh

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