O Brasil enterra seu último ‘índio do buraco’ e, com ele, toda uma etnia

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Publicado Domingo, 28 de Agosto de 2022 às 11:57, por: CdB

Com o indígena cadastrado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) há 26 anos apenas como Tanaru (‘Índio do Buraco’, na tradução para a língua Awá, de seus vizinhos mais próximos), ele era o último de sua etnia. A Terra Indígena (TI) Tanaru, em Rondônia, não tem mais habitantes.

Por Redação - de Manaus
Ao redor da cova em que foi enterrado, neste domingo, um habitante da Floresta Amazônica, sem nome ou idade certos, permanece apenas o som natural do ambiente em que ele viveu por aproximadamente quatro décadas. Não houve pranto ou nenhuma dança. Sem amigos despedindo-se do conterrâneo, uma mulher chorando a perda do companheiro. Nenhuma criança. O futuro foi enterrado com ele. Sozinho.
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Tanaru, um elusivo habitante da Floresta Amazônica, último de sua etnia, Tanaru construiu 53 casas ao longo de sua vida, desde que a Funai o monitorava
Com o indígena cadastrado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) há 26 anos apenas como Tanaru (‘Índio do Buraco’, na tradução para a língua Awá, de seus vizinhos mais próximos), ele era o último de sua etnia. A Terra Indígena (TI) Tanaru, em Rondônia, não tem mais habitantes. Ele foi encontrado morto, na véspera, durante uma ronda da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC). Tanaru não falava uma palavra sequer em português ou espanhol, idiomas mais difundidos na região onde, outrora, seus familiares viveram. E todos gostavam de cavar buracos nos locais em que moravam, por algum tempo, enquanto houvesse campo de caça e da colheita de víveres oferecidos pela Floresta. Os agentes da CGIIRC relataram que seu corpo jazia na rede que trançara para dormir, em uma habitação feita de folhas e madeira. Não fazia muito tempo que ele havia partido e levado a memória de um tempo que jamais será revelado às civilizações causadoras de sua extinção. O arco, algumas flechas, algumas cuias e víveres para alguns dias apenas estavam estocados de forma metódica, em um canto da taba. Duas pequenas fogueiras ainda resistiam acesas, quando os homens do governo chegaram.

Arquitetura

A Funai lamentou, em nota para a posteridade, o fim de uma etnia. Sem nenhum detalhe mais amiúde, ficou o registro de que Tanaru morreu sozinho, sem ninguém no local ou qualquer sinal de que houvesse passado alguém por lá, nem mesmo qualquer traço de uma luta ou violência de qualquer espécie. Morreu sem agonizar. Simplesmente, partiu.
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Os funcionários da Funai examinaram o local junto com peritos da Polícia Federal (PF) e a presença de especialistas do Instituto Nacional de Criminalística (INC) de Brasília; além do apoio de peritos criminais da cidade de Vilhena (RO). A causa da morte, para fins legais, ainda será confirmada por laudo do médico legista da PF, nos próximos dias. Desde a descoberta de sua existência, ainda em 1996, o indígena era monitorado pela Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé, da Funai. Foram registradas habitações de palha ocupadas por ele ao longo de todo esse tempo. Ao todo, ele construiu 53 casas, classificadas pelos antropólogos de “palhoças”. Todas elas respeitavam o mesmo padrão arquitetônico, com uma única porta de entrada e saída, respiradouro entre as folhas, nas paredes superiores e um buraco cavado em um canto da construção.
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