A Rainha no Maracanã, o “Imbrocheibol” em Londres

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Publicado Sábado, 17 de Setembro de 2022 às 14:56, por: CdB

Elizabeth II será sepultada no Castelo de Windsor nesta segunda (19) na presença de 500 autoridades do mundo inteiro, entre elas o Coiso do Brasil, que espumará de ódio ao ver o vermelho da túnica comunista dos guardas, marchando à frente do caixão, mas se alegrará com as salvas de tiros de canhão. A plebe o receberá com o hino Imbrochable´s fat ass em retribuição ao canto entoado em novembro de 1968 por cem mil torcedores no Maracanã para homenagear a Rainha, em sua visita oficial ao Brasil.

Nesta segunda-feira, os súditos britânicos gritarão: God save the Queen. E o Brasil responderá no dia 2 de outubro: The Devil save the Imbrochable.

It´s election time, it´s time to harass

Where is the Imbrochable´s fat ass?

Por José Bessa Freire
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Essa memorável crônica de meu colega Bessa (estudou comigo no IRFED, em Paris), me faz lembrar que, em 1968, eu chefiava a redação da Última Hora do Rio, em São Paulo.
Foi assim. Era uma tarde ensolarada de domingo. Sentada na tribuna de honra ao lado de Philip, Elizabeth perguntou ao tradutor o significado daquele canto, que a mídia, por decoro ou censura, se omitiu de publicar. Este Diário do Amazonas revela, 54 anos depois, a letra da canção em português, assim como aquela do hino em inglês cantado neste momento no funeral em Londres para saudar alguém que disse: “Eu não sou coveiro”. Afinal, o que cantarolaram a torcida brasileira e os súditos ingleses? Precisamos contextualizar os fatos. A Rainha Elizabeth, aos 42 anos de idade, visitou o Brasil, passando por Recife, Salvador, Brasília, São Paulo. No Rio, última escala da viagem, desfilou em carro aberto pela cidade, lançou a pedra fundamental da futura ponte Rio-Niterói, visitou o Mirante Dona Marta, o Outeiro da Glória e o Museu de Arte Moderna. Ficou tão íntima que tinha gente perguntando: - Será que a Beth vem à praia hoje? Beth não tomou banho de mar, mas com vestido de mangas curtas e os joelhos à mostra, toda estilosa, foi ao Maracanã assistir ao jogo entre a seleção paulista de Pelé e a carioca do Gerson, agendado como deferência à realeza. Lá, era preciso um tradutor refinado que falasse inglês, entendesse de futebol, não cuspisse no chão e não coçasse o saco em público. Cochicho com a Rainha O perfil ideal era o do renomado jornalista Manoel Muller (1923-2005), que havia mantido durante anos coluna social com o pseudônimo de Jacinto de Thormes, inspirado em personagem de Eça de Queiróz. Nascido no Rio em berço esplêndido, numa família de diplomatas, era neto de Lauro Muller, ministro de Relações Exteriores e ex-governador de Santa Catarina. Aos três anos, com a separação dos pais, foi educado por uma governanta britânica, com quem aprendeu a falar inglês. Portanto, a língua, ele dominava. As normas de etiqueta também: aprendeu no convívio com a high Society britânica que não se deve chamar a Rainha de Sua Majestade, a não ser em cerimônia, mas de Madam. Futebol, então, nem se fala, pois anos antes havia migrado da coluna social para a página esportiva do jornal Última Hora. Basta ler as quarenta e quatro crônicas de sua autoria, escritas nos anos 60, reunidas por Rafael Casé no livro “O velho e a bola”, para ver que ele entendia do riscado. Com tais credenciais, foi convidado pelo Itamaraty para explicar à Rainha o jogo no Maracanã. Levou com ele foto de Shakespeare, seu cão, com um boné na cabeça, “que cairia bem numa partida de críquete em Wimbledon”. Elizabeth adorou a figura elegante de Maneco Muller, seus ares de lorde inglês, seu majestoso cachimbo. “Ele foi o único brasileiro que teve o privilégio de trocar cochichos com a Rainha da Inglaterra”, segundo Geneton Moraes, que o entrevistou em 2004. Um desses cochichos ocorreu quando o governador da Guanabara, Negrão de Lima, na tribuna de honra, ofereceu orquídeas à Rainha, que perguntou se eram da Amazônia. Maneco confirmou, embora confessasse depois em off: - Amazônia coisa nenhuma. Eram daqui mesmo. Tirei uma onda. A Rainha achou ótimo. A gente tem de falar essas coisas por gentileza. Hora do lanche Em outro cochicho, Elizabeth perguntou: - Você não acha que esse jogo está lento? Maneco, com hálito de uísque escocês, ciciou ao ouvido dela:  - “Madam, a senhora se acostumou a ver no estádio de Wembley jogadores ingleses fortes e robustos, que correm muito, são verdadeiros touros. O nosso jogador, Madam, é uma cobra. De repente, dá um bote”. Ele conta que, por sorte, minutos depois, Pelé gritou “dá”, driblou um, cortou o outro e quase fez um gol maravilhoso. A Rainha, encantada, sussurrou: - Isso é que é cobra? Ele respondeu: - Yes, Madam, precisely. Elizabeth virou para o outro lado, onde estava o Príncipe Philip e perguntou: - Você sabe qual é a diferença entre os nossos jogadores e os brasileiros? Maneco comenta com seu jovial sense of humour: - Aí ela começou a contar ao marido a minha história, sem me pagar royalties” Veio então a grand finale. No segundo tempo, o jogo estava 2 x 2, quando o juiz Armando Marques marcou pênalti contra os cariocas. O Maracanã em peso entoou, então, a paródia do jingle Biscoitos São Luíz com que sempre brindava o árbitro: - É hora do lanche, que hora tão feliz, queremos a bundinha do juiz. “A Rainha me perguntou o que era aquilo” – conta o tradutor. “Eu afirmei que a torcida estava aplaudindo o juiz, que era muito popular no Brasil. Quando, depois do jogo, ambos se encontraram, ela falou gentilmente: - Gostei de ver sua popularidade. Por pudibundez, os jornais silenciaram: “A reportagem do Globo no dia seguinte não informou qual foi a ofensa ao juiz”. Hora da papinha No Maracanã, o famigerado Serviço Nacional de Informação (SNI) havia proibido o anúncio pelos autofalantes da chegada da Rainha, “por terem descoberto conspiração de vaia articulada por elementos subversivos”. No entanto, segundo O Globo, “a multidão percebeu a presença de Elizabeth e, de forma espontânea e alegre, de pé, passou a aplaudir. O Maracanã inteiro gritava: Rainha, Rainha. Sua Majestade de pé, acenou em agradecimento”.  Não foi bem assim que a banda tocou. O que aconteceu de fato, omitido pela mídia, foi o coro irreverente da torcida: - É hora do lanche, é hora da papinha, queremos a bundinha da Rainha. O tradutor explicou tratar-se de uma homenagem a ela, que agradeceu em português com um sotaque carregado: - Obrigado, obrigado. Não deixava de ser uma homenagem irreverente como só os cariocas sabem fazer. Na entrevista a Geneton, Maneco fez sua apreciação final: - A impressão que a Rainha dá é a de que é uma pessoa triste. Aquilo deve ser muito, muito chato. Um mês depois da visita, a tensão no Brasil aumentou ainda mais. A ditadura editou o AI-5, gestado ao longo da Semana da Pátria, com prisões, tortura, cassação de parlamentares e juízes, além de censura férrea aos jornais e a qualquer manifestação cultural. Preciso esclarecer que eu estava lá no Maracanã ao lado de um estudante amazonense, que cursava medicina na UFF, ambos morávamos na Casa do Estudante do Brasil. Tai o Antônio Sanches, hoje médico pediatra em Manaus, que não me deixa mentir. Ou deixa? Agora, como retribuição, os moradores de Londres receberão o representante do Brasil com a mesma música, mas letra diferente: É tempo de eleição É hora assediável Cadê o bundão Do Imbrochável? Nesta segunda-feira, os súditos britânicos gritarão: God save the Queen. E o Brasil responderá no dia 2 de outubro: The Devil save the Imbrochable. Referências: Geneton Moraes: O dia em que o criador do moderno colunismo social enganou a Rainha da Inglaterra no Maracanã. 2004
  1. Rafael Casé (org): O velho e a bola – A trajetória de Nilton Santos nas crônicas de Jacinto de Thormes, de Maneco Muller”. 2013
  2. Sérgio Freire. Amazonês – expressões e termos usados no Amazonas. (2ª edição. Editora Valer. 2012.
  3. Fotos publicadas no jornal Última Hora. Edição de segunda-feira, 11 de novembro de 1968
  4. Jingle publicitário “Biscoitos São Luiz”. (Por José Bessa Freire)
José Bessa Freire é jornalista amazonense, com mestrado no IRFED em Paris, onde viveu alguns anos durante a Ditadura militar, edita o blog Taqui Pra Ti, vive em Manaus.
Direto da Redação é um fórum de debates publicado no jornal Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.
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